segunda-feira, 30 de junho de 2008

Santa
Beatriz da Silva e Menezes
oic
Virgem Portuguesa e Fundadora
da Ordem da Imaculada Conceição

memória litúrgica: 1 de Setembro (Portugal),
17 de Agosto (Igreja Universal)
por Padre Marcelino José Moreno Caldeira
A família
"...educada
num profundo espírito e virtudes cristãs."

De nobilíssima família portuguesa, Beatriz da Silva e Menezes, nasceu na graciosa e ensolarada vila alentejana de Campo Maior, no ano de 1437. Filha de D. Rui Gomes da Silva, Alcaide-Mor da já mencionada vila de Campo Maior e Ouguela e de Dona Isabel de Menezes, que era filha de D. Pedro de Menezes que foi Governador da Praça de Ceuta, nessa altura pertencente à coroa dos reis de Portugal. Os pais de Beatriz pertenciam à primeira nobreza e estavam ainda aparentados com a família real.
Beatriz passou a sua infância e adolescência nesta nobre vila, rodeada do carinho de seus pais que a educaram num profundo espírito e virtudes cristãs.
Foi a oitava de doze irmãos: Pedro, Fernando, Diogo, Afonso, João (Beato Amadeu da Silva, fundador do ramo franciscano dos frades Amadeus, hoje extinto), Branca, Guiomar, Beatriz, Maria, Leonor, Catarina e Mécia.
Na Corte
"...enchia de fervor com o seu exemplo".
Para Beatriz decorria tranquila a vida no velho solar de Campo Maior. Totalmente entregue a Deus, tinha esquecido o mundo com toda a sua agitação, embora vivesse nele.
Mas o Senhor tinha-a criado para coisas maiores que esta vida calma, e, para isso, tinha de a fazer passar pelo crisol do sofrimento, como costuma sempre fazer com os eleitos do seu coração.
Quando chegou, Beatriz cujos predicados e virtudes raramente se vêm em humana criatura, deram motivo à rainha Dona Isabel, filha de D. Duarte, rei de Portugal, e esposa em segundas núpcias de D. João II de Castela para levar por sua dama, para a Corte, a jovem Beatriz, que era sua parente muito chegada. Primeiro para Lisboa e a quando do casamento com D. João II de Castela, para Tordesilhas. A virtuosa dama era o mimo, e todo o desvelo da rainha que não podia estar sem ela um só instante. Só a jovem dama conseguia moderar alguns dos excessos da temperamental rainha de Castela que, se enchia de fervor com o seu exemplo e, quando a via entre as Senhoras e Damas da Corte de Castela, tinha grande satisfação de que a sua portuguesa brilhasse, como a mais bela das rosa entre as flores, e resplandecesse, como lua entre as estrelas. Diz-nos uma biografa da Santa, que Beatriz "era formosíssima, prudente, afável, inteligente, composta e de muita gentileza", e outro autor: "que era bela, maravilhosamente bela, até ao deslumbramento".
O Ciúme
"...procurava viver em recolhimento,
dando todo o seu amor e o maior tempo possível a Deus,
o verdadeiro Senhor do seu coração."

Costuma dizer-se que há males que vêm para bem, e vice-versa, que há bens que vêm para mal. E foi precisamente o caso de Beatriz. Porque a felicidade humana é inconstante e falível, não podiam durar por muito tempo os excessos de carinho e de atenção da rainha para com a jovem dama portuguesa.
A sua beleza, graciosidade e doçura, levou muitos nobres a pretendê-la para casar, aos quais, ela negou sempre a sua mão.
Mas, o facto mais doloroso, foi causado pelo ciúme da rainha que, chegou ao cúmulo de a fechar num cofre, para que Beatriz ali morresse asfixiada. Tudo por ciúme, devido às atenções que o rei dava à jovem, que, de forma alguma, procurava atrair sobre si as atenções de quem quer que fosse, muito pelo contrário, procurava viver no recolhimento, dando assim todo o seu amor e o maior tempo possível ao Pai Eterno, o verdadeiro Senhor do seu coração.
A visão
"...a sua vocação: fundar uma Ordem
com o fim de honrar a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria".

Foi, porém, naquela prisão, que a Santa recebeu em plenitude o "Dom de Deus", e lhe foi dada a conhecer a sua futura missão, a sua vocação: a de fundar uma Ordem, com o fim de honrar a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria.
Nos três dias que permaneceu naquela escura prisão, apareceu-lhe a Santíssima Virgem com o menino nos braços. Trazia vestido um hábito todo branco e escapulário da mesma cor, e a cobri-la um manto azul.
Era vontade de Deus e de Maria que, Beatriz, fundasse uma Ordem destinada a defender e honrar o Mistério da Imaculada Conceição.
O inesperado
"...a rainha deu-lhe licença e liberdade
para ir viver aonde mais fosse de sua vontade".

O desaparecimento da jovem dama, provoca no seu tio D. João de Menezes (que também se encontrava na corte de Tordesilhas, ao serviço de D. João II de Castela), grande preocupação, até porque ele sabia do grande ciúme que a rainha nutria por Beatriz e temia o pior.
À pergunta de D. João de Meneses a Dona Isabel, sobre o paradeiro da sobrinha, a rainha respondeu-lhe «que viesse vê-la», e levou-o ao sítio onde a deixara encerrada, certa de que, ao abrir o cofre, a encontraria morta.
Viva a viu aparecer, e mais bela do que nunca! A rainha, pasmando do que tinha diante de si, não atinava que dizer - conta soror Catarina - e, assombrada duma coisa tão inesperada, não queria dar crédito aos seus próprios olhos, que viam o que naturalmente era impossível sucedesse.
Com este espanto, e, ao mesmo tempo, para se livrar da ocasião de voltar a criar problemas à dama Beatriz, a rainha deu-lhe licença e liberdade para ir viver aonde mais fosse de sua vontade. Certamente que esta «experiência de encarceramento» foi, na vida de Beatriz, um marco importante que a levou a dar uma grande viragem no rumo da sua vida e a levou a abandonar a vida palaciana da corte de Tordesilhas e a retirar-se para Toledo.
Em viagem
"Este encontro deixou-lhe na alma uma grande consolação
e abriu-lhe o entendimento às realidades sobrenaturais".

A viagem para Toledo foi longa, arriscada e muito difícil, o que revela a personalidade forte e decidida de Beatriz.
É significativo, o episódio que ocorreu durante a viagem e que, todos as biógrafos da santa, são unânimes em relatar.
"Foi o caso que, no caminho para Toledo, ao passar por um monte (Beatriz), viu sair de trás dele dois religiosos da Ordem do meu Padre S. Francisco, e, julgando fossem enviados da rainha a fim de a confessarem para que depois lhe fosse tirada a vida, entrou, em grande temor; e não foi muito, que assim fizesse, quem havia experimentado os arrojos do zeloso peito duma rainha. (...) Acercaram-se os religiosos, e, um deles, que por seu modo parecia português, saudando-a na sua língua materna, lhe perguntou a causa da sua aflição e pena".
Depois de saberem dos temores da nobre viajante, tranquilizaram-na os dois frades e falaram-lhe da fundação da Ordem da Imaculada Conceição. E, assim, foram conversando durante a viagem para Toledo. Mas tal como os discípulos de Emaús, também os dois frades desapareceram aos olhos de Beatriz e da sua comitiva, quando esta insistiu com eles, para que partilhassem com ela a ceia na próxima pousada.
Este encontro deixou-lhe na alma uma grande consolação e abriu-lhe o entendimento às realidades sobrenaturais e compreendeu que os seus companheiros de viagem eram Santo António de Lisboa e São Francisco de Assis.
Em São Domingos "O Real"
"Florescia em todas as virtudes, era tida por santa e obrava milagres".
Depois do sucedido e, com a autorização da rainha, Beatriz, retirou-se para a cidade de Toledo, onde viveu, voluntariamente, em completo encerramento, no Convento Dominicano de São Domingos O Real, ou O Antigo. Ali passou trinta longos anos, como senhora de piso, longe de tudo e de todos os seres queridos e totalmente desprendida das vaidades terrenas e desejos mundanos. E, como a formosura do seu rosto foi a causa de tantas discórdias na corte, cobriu o rosto com um véu branco durante o resto da sua vida, salvo em raríssimas excepções.
No mar, o navio é presa fácil do risco dos ventos, se, porém, chegar a um calmo e tranquilo porto, já não teme calamidades, mas está seguro. Também Beatriz, enquanto se encontrou no meio dos homens, contou com tribulações, riscos e embates contra a sua sensibilidade. Mas, ao chegar ao porto do silêncio, para ela preparado, não mais teve medo, e entrega-se toda nas mãos de Deus, confiando no Seu amor sem medida.
Não fazia parte das religiosas que compunham a comunidade, mas, ali vivia como uma delas, em completa vida de clausura. Como nos canta soror Catarina: Beatriz "Florescia em todas as virtudes e comia parcamente, que era tida por santa e obrava milagres, que se distinguiu sempre por sua humildade e obediência às superioras" do dito Convento de São Domingos O Real e a sua vida era verdadeiramente exemplar. Das rendas, que possuía, reservava uma moderada parte para o tratamento, e decência da sua pessoa, e, tudo o mais, o gastava em esmolas e Deus. E só pela entrega total de si mesmo se entra neste caminho de perfeição e de união com Deus. Contudo, quem diz "entrega total", diz "renúncia total". Deus de todos espera o desapego completo de tudo o que não seja Ele. O mais pequeno vínculo impede a alma de levantar voo. Por isso, é urgente perder tudo, para ganhar O Tudo. É urgente entregar tudo o que temos e somos sem hesitação.
O mercador de pérolas do Evangelho, vendeu todos os seus bens para comprar a pérola mais fina que tivera a sorte de encontrar. Beatriz, por sua vez, renunciou à sua luminosa beleza, à sua posição social, à sua fortuna e à possibilidade de fazer um casamento invejável, aos olhos do mundo, para se fechar num Convento, onde nem sequer era freira. Assim, sem vínculo nenhum, poderia levantar voo e voar na imensidão do amor de Deus e saciar a sua sede na fonte da Água Viva. Preparando-se desta forma, para a Obra a que fora destinada pela Imaculada.
A espera
"...mantinha-se simplesmente à escuta do que Deus lhe ordenava".
A nós, que vemos os acontecimentos no seu aspecto meramente exterior, sem muitas vezes, poderem apreender-se as realidades profundas que essas aparências encobrem, parecerá incompreensível esta demora tão grande em realizar planos que se sabia serem divinos. Que significavam tantos anos de aparente inacção, segundo os nossos juízos? Que fazia Beatriz da Silva e Meneses em São Domingos O Real, onde, nem sequer era religiosa? Porque esperava?
Ora, tais circunstâncias, levam-nos a crer que ela se mantinha simplesmente à escuta do que Deus lhe ordenava. Ia-se exercitando na conquista de uma das virtudes mais difíceis de praticar quando se deseja um bem que tarde em vir; a paciência, na perfeita conformidade com a Vontade de Deus.
"Poucas vezes uma fundadora terá sido preparada tão profunda e prolongadamente para a sua missão carismática".
Quando ela atingiu o grau de perfeição na virtude requerido para empreendimento tão sublime, corria o ano de 1484, recebeu então a ordem aguardada durante trinta longos anos entre os muros de São Domingos "O Real". E logo se seguiu um período de intensa actividade, a esses longos anos vividos na obscuridade e no silêncio do claustro.
Os preparativos
"Com a sua admirável generosidade,
passou a dar-se sem reservas,

ao cumprimento da missão que Deus lhe confiava".

Dizem os biógrafos da Santa fundadora, que lhe apareceu outra vez a Mãe de Deus, tornando a mostrar-lhe como haveria de ser o hábito que trariam vestido as suas religiosas, pois, já o havia feito, a quando da visão no cofre em Tordesilhas, e, ainda, para lhe dizer que tinha chegado o tempo de pôr mãos à realização da Obra. Tinha soado a hora para a qual Beatriz da Silva orientara o curso de toda a sua vida, na qual concentrara todos os seus esforços e, para a qual, dirigira todas as suas aspirações. Urgia, agora, dedicar à realização da sua Obra todas as forças e o tempo que lhe restava viver na terra.
Com a sua admirável generosidade, passou a dar-se sem reservas, ao cumprimento da missão que Deus lhe confiava. Finalmente, o sonho que iluminara toda a sua vida, o desejo que o seu coração acalentava de espalhar pelo mundo a devoção à Imaculada Conceição, e honrar através da sua futura Ordem, este mistério tão grande e tão sublime, começava a realizar-se e a criar forma.
A fundação
"Terão como carisma próprio o da Imaculada Conceição".
Ajudada pela rainha Isabel "a Católica", que lhe deu os palácios chamados de Galiana, por terem outrora pertencido à princesa Galiana, filha de um rei mouro que os mandara construir propositadamente para esta sua filha, bem como a Igreja de Santa Fé, situada junto ao Palácio de Galiana. Beatriz deixa o Convento de São Domingos O Real, onde viveu 30 longos anos, para se instalar com mais doze donzelas de muita virtude e nobreza, no local que a rainha lhes oferecera. Entrou com grande alegria nessa casa tão desacomodada e, logo, deu ordens para que se fizessem as obras necessárias e conveniente para a transformar num Convento de religiosas contemplativas de clausura, começando por arranjar a Igreja. Tanto que, logo que se instalaram no seu Convento de Santa Fé, e, provido este, do essencial para a vida comunitária contemplativa, ordenou a santa fundadora o modo de viver que haviam de guardar ela e suas filhas e, composta a Regra, a enviar ao Sumo Pontífice Inocêncio VIII com petição da rainha Isabel "a Católica" para que Sua Santidade aprovasse esta Ordem com o título da Imaculada Conceição, bem como a Regra, o modo de rezar e de vestir (o hábito).
Foi, por meio de um «estranho» mensageiro, que a fundadora soube que, Roma tinha expedido a Bula de aprovação da Ordem. Contudo, mais tarde, chega a notícia de que o navio que transportava a Bula de aprovação, tinha naufragado. Beatriz comunicou o facto à rainha, e só teve uma ideia: pôr-se a rezar. Ao fim de três dias, aparece a Bula num cofre do Convento. Como aconteceu este «prodígio»? A verdade é que, hoje, a dita Bula se encontra no Convento de Toledo. Inocêncio VIII tinha dito sim ao pedido de Beatriz, com o apoio da rainha Católica. Estava a Bula dirigida ao bispo de Coria e Catânia, e ao Vigário de Toledo, para «executar a Bula» em 1491. A Bula papal cita expressamente a rainha Isabel e soror Beatriz, a quem autoriza a fundar um Convento, de clausura. Segundo palavras de Sua Santidade: Nos foi humildemente suplicado que se dignasse a Nossa Benignidade Apostólica erigir na referida casa um Mosteiro de Monjas, sob a invocação da Imaculada Conceição. Beatriz gozaria da dignidade de Abadessa, e a casa teria campanário, dormitório, refeitório, hortas e outras oficinas, na qual vivam as religiosas em comunidade sob a regular observância e perpétua clausura. E dá poder à Abadessa para que possa formar estatutos e ordenanças. Vestirão de branco, com manto cor (azul) celeste, e, «no manto e escapulário, tragam fixa a imagem da Virgem Maria, e se cinjam com uma corda de cânhamo, à maneira dos Frades Menores». Terão como carisma próprio o da Imaculada Conceição. A Bula «Inter Universa» está datada de 30 de Abril de 1489, quinto ano do Pontificado de Inocêncio VIII. É esta, certamente, a autorização solene, oficial e pontifícia para a Fundação.
E, finalmente, no antigo palácio, de uma princesa moura, tem o seu berço a Ordem da Imaculada Conceição, melhor dizendo, começam a escrever-se com letras de luz, silêncio e oração as glórias da Imaculada Conceição.
A passagem
"...no ocaso da vida tudo passa, só Deus fica e o que por Ele tivermos feito".
Seis anos passaram estas almas desejosas de uma entrega radical, à espera que lhes chegasse a aprovação de Roma. Quando esta, finalmente chega, a Obra começa a desenvolver-se em pleno. No entanto, um novo sacrifício lhes estava reservado.
Tinha já sido marcada pelo Bispo de Toledo, a festa das profissões, de Beatriz e das suas doze companheiras, quando a Santíssima Virgem de novo lhe aparece dizendo-lhe: - "Dentro de dez dias virei buscar-te porque não é vontade de Meu Filho que gozes aqui na terra o que tanto desejastes".
Duro golpe difícil de compreender, mas que Beatriz aceita com o coração em festa, como através de toda a sua vida aceitou sempre qualquer manifestação da Vontade do Pai Eterno. E nisto consistiu precisamente o segredo de toda a sua santidade, pois, só no cumprimento da vontade de Deus, reside o segredo da santificação de qualquer alma. Fora desta vontade não há santificação possível.
Efectivamente, no dia preciso em que estava marcada a festa do início da Ordem, Beatriz voou para o Céu, tendo, antes, recebido o hábito branco e azul, como a Senhora lhe tinha indicado, e feito nas mãos de um sacerdote Franciscano, a sua Profissão Religiosa. Morria assim, como uma verdadeira Concepcionista. A noite da sua vida passara. Tinha sido uma noite de lutas e sofrimentos em que venceu, é certo, mas que, para isso, teve de lutar denodadamente. Tudo agora findava, melhor, tudo agora começava, e morria feliz, pois, como diz o autor, "no ocaso da vida tudo passa, só Deus fica e o que por Ele tivermos feito". É que, na eternidade seremos julgados, não tanto pelo muito que fizemos ou possuímos, mas pelo muito que amámos. E Beatriz viveu uma vida intensa de amor e de entrega total a Deus.
A estrela
"...do seu rosto saiam raios de luz
e uma estrela luminosa fixou-se-lhe na testa
e ali permaneceu até que soltou o último suspiro".

No momento da sua morte há um pormenor que não pode ser esquecido. Desde que saíra da Corte de Tordesilhas, Beatriz cobria o seu belíssimo rosto com um véu branco a fim de ocultar, aos olhos de todos, a sua grande beleza que fora causa de tantos desgostos e dissabores. E, assim, viveu os cerca de trinta anos que durou a sua vida retirada no Convento de S. Domingos "O Real", e depois já no seu Convento definitivo.
No momento derradeiro, ao levantarem-lhe o véu para lhe ser administrado o sacramento da Unção dos Enfermos, todos viram, com assombro, que, do seu rosto, saiam raios de luz que iluminaram todo o aposento em que se encontravam, e uma estrela luminosa fixou-se-lhe na testa e ali permaneceu até que soltou o último suspiro. E é este o motivo pelo que a imagem da santa de Campo Maior se representa com uma estrela na fronte. Esta significa, certamente, a luz que ela irradiou então e que continua, ainda hoje, a irradiar ao longo destes cinco séculos que nos separam já da sua morte, ocorrida em Toledo no dia 9 de Agosto de 1492.
Luz que brota do testemunho de vida de Beatriz, que "...toda se abandonou à vida de santidade..." e das suas filhas, que encerradas nos seus Conventos seguem as pisadas da sua mãe e mestra, vivendo os rigores do evangelho.
Depois da morte
"...todas viviam unidas, «num só coração e numa só alma»".
Como nos conta Soror Catarina: "Logo que a serva de Deus expirou pensaram as religiosas de São Domingos levar para o seu Convento, não só as doze religiosas, porque não haviam professado e ficavam sem Madre, senão também o venerável corpo da Fundadora, porque, tendo vivido tantos anos com elas, julgavam que lhes pertencia; e, nesta ideia, começaram a fazer diligências, levando em seu auxílio alguns religiosos da sua Ordem para conseguirem levar a cabo a sua empresa, e, por conseguinte, para que a casa e Ordem da Imaculada Conceição ficasse desfeita. Não era porém essa a vontade do Senhor, que constantemente velava pelas suas servas; e não queria que desaparecessem de sobre a terra; e, por isso, mais uma vez as ilustrou com um novo milagre, como foi o aparecimento da Santa Fundadora a frei João de Tolosa."
Antes, mesmo, da chegada de frei João de Tolosa já os religiosos franciscanos de Toledo haviam impedido que o corpo de Beatriz da Silva fosse levado pelas religiosas de São Domingos "O Real" e o sepultaram na Igreja de Santa Fé, junto às suas filhas.
Contudo, as religiosas de São Domingos não desarmaram e, visto que, não tinham conseguido os restos mortais da fundadora, pelo menos, achavam-se no direito de reclamar para si as doze jovens que faziam parte da comunidade de Beatriz, argumentando que estas ainda não tinham tomado hábito nem feito votos.
Foi, neste contexto, que frei João de Tolosa veio encontrar as jovens discípulas de Beatriz da Silva. Imediatamente este ilustre franciscano fez desistir dos seus intentos as religiosas de São Domingos "O Real" e marcou, para dentro de oito dias, a tomada de hábito e a profissão religiosa das doze valorosas filhas de Beatriz. Tendo sido nomeada para Abadessa soror Filipa da Silva, sobrinha da fundadora.
Contudo, não ficaram por aqui as dificuldades por que teve de passar a jovem comunidade Concepcionista.
As religiosas Beneditinas do Mosteiro de São Pedro das Donas haviam decaído um pouco no fervor primitivo da sua Ordem. Por isso, o Reformador Geral de todas as Ordens no Reino de Castela, frei Francisco de Cisneros, ordenou que o Convento de Santa Fé e o Mosteiro de São Pedro das Donas se juntassem num só. Passando as religiosas de Santa Fé a viver no Mosteiro de São Pedro das Donas. Por outro lado, por breve do Papa Alexandre VI as monjas das Donas passavam a vestir o hábito da Ordem da Imaculada Conceição e adoptavam a forma de viver desta jovem Ordem. E ainda, deveria a Abadessa de São Pedro das Donas renunciar ao seu cargo em favor de Madre Filipa da Silva que passaria a ser a Abadessa da nova comunidade.
No entanto, as mudanças não foram fáceis, pois, graves divisões surgiram na comunidade, que, por três vezes, esteve à beira da extinção, devido às reforma implantadas por Madre Filipa da Silva e que, desagradaram muito às antigas religiosas de São Pedro por não aceitarem que uma Ordem mais nova, viesse impor a uma Ordem mais antiga correcções e tradições.
A tal ponto chegou a situação que, frei Francisco de Cisneros, à data, arcebispo de Toledo, esteve a ponto de ordenar se extinguisse de vez a Ordem da Imaculada Conceição. Não era esse, no entanto, o projecto de Deus que levou o ilustre prelado a fazer uma última tentativa para repor a unidade e a caridade no referido Convento. Para isso, dirigiu às religiosas do dito Convento, uma veemente exortação a que se apaziguassem. Conta-nos Soror Catarina que o arcebispo lhes falou com tão inspirado afecto que lhes abriu o coração e os pacificou de tal maneira que, as que haviam abandonado a comunidade, voltaram bastante emendadas, conformando-se todas numa só vontade e amor, transformando-se o Convento num autentico paraíso.
E dava gosto, depois, ver o Convento da Imaculada Conceição, onde todas viviam unidas, "num só coração e numa só alma".
Depois destas duras provas, a Ordem da Imaculada Conceição entra num período de grande florescimento, tornando-se numa das maiores Ordens Religiosas femininas de vida contemplativa, da Igreja.
A glorificação
"...a Igreja sente necessidade e alegria em nos dizer
que Beatriz da Silva, é Santa".

Ao longo da história, Deus suscita homens e mulheres que, compreendendo o único Absoluto, e que foram capazes de assumir atitudes de vida que, ainda hoje, têm lições de vida e de sabedoria. A vivência do Evangelho continua a gerar verdadeiros sábios em todas as épocas, que, com os seus exemplos e palavras, possuem uma força de persuasão que não vem dos livros, mas do Espírito Santo.
Inteiramente abandonados à acção de Deus, os santos deixam-se conduzir pelo Espírito Santo por caminhos desconhecidos, até ao dom total de si mesmos. E foi o que aconteceu com Beatriz da Silva e Menezes, por isso mesmo, a Igreja sente necessidade e alegria em nos dizer que, fundadora da Ordem da Imaculada Conceição, faz parte deste grupo de obras-primas da criatividade do Espírito Santo e que nunca se repetem, que são os Santos. E fá-lo oficialmente, quando o Papa Pio XI a 28 de Julho de 1926 a beatifica e a 3 de Outubro de 1976, o papa Paulo VI a canoniza.

sábado, 28 de junho de 2008

Venerável
madre Maria de Jesus de Ágreda oic
virgem e monja Espanhola
da Ordem da Imaculada Conceição
por (cf.) Celestino Solaguren, ofm

Ágreda é um vilarejo pertencente à província de Sória, que confina com A
ragão e se encontra da mesma forma muito próxima ao limite de Navarra. Encontra-se, portanto, situada nos confins de três reinos históricos da Espanha, nos assentamentos de Moncayo. Até os últimos reajustes de dioceses pertenceu à de Tarazona.
A Venerável Maria de Jesus, chamada muito comummente a Madre Ágreda, aqui, viveu e morreu, sem jamais ter saído dos limites da vila.
Infância e Juventude
Os pais da madre Maria de Jesus de Ágreda foram Francisco Coronel e Catarina de Arana. No mosteiro de Ágreda conserva-se um documento comprovativo da fidalguia dos Arana, de 1540.

Francisco e Catarina tiveram onze filhos, sete morreram muito cedo. Só sobreviveram dois rapazes e duas raparigas: Francisco, José, Maria e Jerónima.
Ambos extremamente religiosos. A família Coronel-Arana relacionava-se muito com os franciscanos de São Julião, convento franciscano situado nos arredores da vila. A mãe tinha ali o seu confessor e ouvia diáriamente a Missa na Igreja do convento.
A Venerável confessa que ela, em sua primeira infância, parecia um tanto preguiçosa e inútil e para a despertar, sua mãe tratava-a com dureza. A explicação que a madre Ágreda nos dá deste seu comportamento na infância, vai muito além da que os bons pais podiam alcançar. Diz-nos, com efeito, que na idade em não pôde precisar, porém, provavelmente coincidindo com o despontar do uso da razão, e sem que recebesse informações ou ensinamentos exteriores, recebeu de Deus informações sobre o mundo, estado pecador do homem, etc…, cujos efeitos iriam perdurar por toda a vida.
Como resultado daquela manifestação concebeu um temor que jamais a abandonou: temor de ofender a Deus e perder a Graça. Ao cessarem as revelações, passiva, caiu como suspensa. Via-se rodeada de perigos, repleta de misérias, não ousava falar com as criaturas, a todas reputava superiores. Por tudo isso, os pais a julgavam insensata e inútil, e davam-lhe o áspero trato mencionado. “Que iremos fazer desta criatura, que não há-de ser para o mundo nem para a religião?”.
A tudo isso se agregaram diversas enfermidades, que aos treze anos de idade a puseram às portas da morte: “Se fez o preparo para meu enterro”, disse ela. Porém, todos os padecimentos os suportava completamente. “Maravilhavam-se os médicos de que pudesse levar males tão cruéis, com forças tão debilitadas e sem queixar-se”.
Aos doze anos de idade empenhou-se em tratar de ingressar na vida religiosa. A primeira ideia, foi a de tomar hábito nas Carmelitas Descalças de Tarazona e seus pais já faziam os preparativos para isso, quando sobreveio uma circunstância totalmente imprevista, que havia de mudar o rumo de sua vida. A mãe da Venerável, Catarina de Arana, teve revelação, confirmada por seu confessor, frei João de Torrecilla, segundo a qual devia transformar a casa em mosteiro e ingressar nele como religiosas a própria mãe com suas duas filhas, enquanto o pai ingressaria com os dois filhos na Ordem de São Francisco. Na realidade os dois filhos varões eram já religiosos na dita Ordem. Diante disso, Maria deu sua conformidade ao novo plano e desistiu de ir para Tarazona. Porém, a ideia era tão dissonante, que chocou-se com a resistência do pai de família e também com a de um irmão deste, Medel. A oposição dos circunvizinhos, a princípio, foi também geral.
Assim, transcorreram três anos. Não obstante, pouco a pouco se venceram as oposições e dificuldades; o pai mudou de parecer e, em 1618, feitas algumas reformas prévias, a casa de Frederico Coronel se transformou em mosteiro de monjas. Francisco, a quem seguiu depois seu irmão Medel, ingressou como franciscano na qualidade de irmão leigo no convento de Nalda (Sória).
O tempo que transcorreu até que o projecto se transformou em realidade, a madre Ágreda o considerou como uma fase de desregramento. Os acaloramentos em torno ao projecto, as obras, etc…, a distraíram e dissiparam sobremaneira da sua vida espiritual que até cedeu à tentação da vaidade.
O novo mosteiro havia de ser a Ordem da Imaculada Conceição. Sem dúvida, o fervor Imaculista, que a Espanha conhecia então, foi causa desta preferência. Porém entre as Concepcionistas havia dois ramos: um de calçadas e outro de descalças. Mãe e filhas decidiram-se pelas descalças. Mas como na área da província franciscana de Burgos, à que pertencia a fundação de Ágreda, não havia Concepcionistas descalças, só calçadas, cometeu-se a anomalia de trazer de Burgos três monjas Concepcionistas calçadas na qualidade de fundadoras de um mosteiro que havia de ser do ramo descalço. Por esta razão dirá madre Ágreda que a fundação não teve bom princípio, pois as fundadoras vindas de Burgos tinham que ensinar um modo de vida que elas não haviam professado nem praticado.
Dezasseis anos tinha madre Ágreda quando tomou o hábito, juntamente com sua mãe e irmã. Prontamente houve novas vocações. Nesta primeira época, a abadessa, era das vindas de Burgos na qualidade de fundadoras.
Uma vez vestido o hábito, madre Ágreda reage contra a dissipação anterior e entrega-se totalmente à vida espiritual. Professa em 1620 e começa na sua vida um período de enfermidades, tentações e extraordinários trabalhos, que será seguido por outro de fenómenos espirituais ressonantes.
As exterioridades
Quando madre Ágreda tinha dezoito anos, no ano seguinte à sua profissão, começam a ocorrer na sua vida certos fenómenos místicos, aos que se deram indiscreta publicidade, sem ela querer ou saber. Um dos confessores que teve por este tempo foi frei João de Torrecilla. Dele diz a venerável que era mais bom que cauteloso. Madre Ágreda padecia com frequência êxtases, arroubos e raptos, fenómenos de levitação, gravidade, etc… e acudia muita gente a vê-la neste estado. As monjas que então governavam o mosteiro, longe de impedir, fomentavam a exibição.

“E chegou minha infelicidade – escreve a madre Ágreda – a que depois de comungar me colocaram o véu e me viram alguns seculares. E como isto, de arroubos, faz no mundo imprudente tanto barulho, estendeu-se e passou adiante a publicidade, as superioras que haviam, eram amicíssimas destas exterioridades e foram se empenhando com uns e outros seculares, por haver concedido a alguns, não se lhes negavam a outros.
Deu-me aviso disto um enfermo, aflito, que veio ao mosteiro me ver, o que para mim foi tão fatigante, minha amargura e dor foram tais, que fiz voto de não receber a Nosso Senhor sem fechar-me no comungatório. Pedi um cadeado e me fechei, e o podia fazer porque só comungava pelas muitas enfermidades que eu tinha. Outras vezes, que me tiravam a chave, bebia xarope ou medicamentos para que não me obrigassem a receber Nosso Senhor, julgando melhor carecer deste consolo, que submeter-me a tão grande imprudência, como mostrar-me a todos os que concorriam que, só de ouvir o barulho deles, me desmaiava, repreendiam-me asperamente e me imputavam desobediência e, para obedecer, me rendia".
Ante as queixas da interessada, interveio o Provincial frei João de Villalacre para pôr fim àquelas exibições. Por ordem do dito provincial ela mesma pediu a Deus que terminassem todas as exterioridades, tendo Deus atendido. Isto ocorreu em 1623.
“O modo que teve de encerrar esta publicidade – diz a Venerável – foi que, armada de fé e esperança, fui ao Senhor e prostrada ante seu Ser imutável, lhe disse que não me havia de levantar até que me concedesse retirar todas as exterioridades em público e que os benefícios que me havia de fazer fossem a sós, e ao prelado, que era el Padre frei João de Villalacre, Provincial, lhe supliquei que pusesse censuras às religiosas para que, estando recolhida, não me manifestassem aos seculares. O prelado o fez lindamente e o Altíssimo desde aquela hora me mudou o caminho e me pôs em outro, do qual era mister escrever muito para declarar-lhe”.
A partir desta data, a vida mística da Venerável, ainda que mais elevada, será oculta, sem estas repercussões exteriores.
A novidade do cessar daqueles fenómenos produziu não pequena impressão nas monjas e deu lugar a vários pareceres. Para muitas, o término de agora fazia suspeito todos os anteriores. Ela calava. Só sua mãe natural lhe falou algumas vezes, porque a via constristada por este motivo.
A estes anos das exterioridades, pertencem também as supostas "viagens" (bilocações) da Venerável para evangelizar aos índios do Novo México.
No mesmo ano de 1623 voltaram a Burgos as primitivas fundadoras e em seu lugar, vieram de Madrid, do mosteiro do Caballero de Gracia, outras três monjas, também na qualidade de fundadoras. Estas eram das Concepcionistas descalças. Estas segundas fundadoras governaram o mosteiro por quatro anos.
Madre Ágreda guardou sempre muito boa recordação das monjas de Cabellero de Gracia por seu trabalho como educadoras da nova fundação.
Abadessa
Durante onze anos, ou seja, até que se cumprissem os vinte e cinco anos desde a fundação do convento, foi madre Ágreda abadessa por nomeação dos superiores religiosos. Depois que se concedeu direito de eleição à Comunidade, foi eleita triénio após triénio, até à sua morte. Só uma vez conseguiu a interessada, recorrendo ao Núncio Rospillosi, que não se desse a concessão para reelegê-la novamente, e assim esteve um triénio, de 1652 a 1655, sem ser abadessa.

O governo da Venerável foi mesclado de prudência, suavidade e eficácia e demasiada brandura. Esteve trinta e cinco anos à frente da Comunidade.
Também no temporal se conheceu a eficácia de seu governo. No primeiro ano de seu cargo decidiu edificar novo mosteiro, fora dos muros da vila e próximo ao convento dos franciscanos. Começou com tão poucos meios, que só dispunha de cem reais, que lhe emprestou um devoto. A construção demorou sete anos, resultando em formosa igreja e todas as oficinas necessárias. A mudança das monjas ao novo mosteiro verificou-se em 1633 e celebrou-se com grande pompa. Quando no interrogatório inquisitorial se insinuou à Venerável que havia violado o voto de clausura com suas viagens às Índias, esta respondeu com graça que não havia saído da clausura mais que uma só vez e, esta em procissão, ao trasladar-se do mosteiro velho ao novo.
Quando madre Ágreda iniciou o seu governo, não chegavam as rendas para sustentar as doze monjas. Na sua morte, deixou renda fixa para sustentar as trinta e três.
Em 1652 a Venerável cede quatro das suas religiosas para uma nova fundação em Borja (Zaragoza).
Os directores espirituais
Dada a parte importante que os confessores e directores espirituais tiveram na vida espiritual da Venerável, parece obrigatória a detenção neste ponto. Madre Ágreda foi uma alma possuída durante toda sua vida de um “excessivo temor”. Temor de errar, de extraviar-se. Por isso submeteu-se firmemente à obediência, à direcção dos representantes de Deus.
“Jamais – dirá ela – me aquietei sem este rumo.” Ao director manifestava toda sua consciência, as graças e favores do Senhor e nada fazia sem sua aprovação e conselho. Tinha muito impressa na alma a frase do Senhor no Evangelho: “Quem a vós ouve, a mim ouve; quem a vós obedece, a mim obedece”.
Vale dizer que todos seus directores e confessores, assim como seus superiores eclesiásticos, foram da Ordem Franciscana, pois as religiosas estavam sujeitas à jurisdição dos superiores religiosos da Ordem.
Durante o período das exterioridades teve vários confessores, cujos nomes conhecemos por suas respostas ao interrogatório inquisitorial. São eles: o já citado Frei João de Torrecilla, Frei João Baptista de Santa Maria e Frei Tomás Gonzalo.
Com a intervenção do Provincial Frei João de Villalacre para pôr em ordem as coisas da Venerável, começa um longo período de vinte e quatro anos em que é dirigida pelo Padre Francisco Andrés de la Torre. Este Padre a dirigiu, pois, desde 1623 até 1647, ano em que morreu. Durante o seu mandato, madre Ágreda escreveu pela primeira vez a Mística Cidade, na ausência eventual deste, a queimou por indicação de outro confessor acidental, voltando a refazê-la parcialmente, à morte dele a voltou a queimar, etc...
Depois da morte deste director esteve por algum tempo só, ou seja, sem director. É neste tempo que se queixa ao rei de que a Ordem Franciscana não guarda segredo de suas coisas como deveria.
Foi também agora, neste “interregno” de director, quando foi submetida ao interrogatório da Inquisição.
Por fim, no mesmo ano de 1650 passa a dirigi-la o Padre Andrés de Fuenmayor, que a guiou até a hora da morte. Deste, diz ela estar contente, porque guarda segredo:
“Meu confessor partiu já para sua jornada; é mui douto e tem duas vezes o ofício de Provincial, e o que me consola é que guarda em grande segredo as minhas coisas”.
Sob a direcção deste Padre se encontrava a madre Ágreda quando, por ordem sua, escreveu a redacção definitiva da Mística Cidade. O Padre Fuenmayor foi seu director espiritual muitos anos, escreveu a vida dela e deposições testificais, que existem manuscritas.
Correspondência epistolar com o rei Filipe IV
Não há dúvida que um dos episódios mais admiráveis da vida de madre Ágreda é o de suas relações com o rei Filipe IV, com quem manteve correspondência epistolar por espaço de mais de vinte anos (1643-1665). Desde então, as relações da madre Ágreda com o rei da Espanha não são mais que um capítulo dentre os mais importantes; no conjunto das múltiplas relações e da variadíssima e dilatada troca de cartas, sustentou a Venerável com múltiplos personagens de seu tempo. A madre Ágreda escreveu cartas a Papas, reis, gerais de Ordens religiosas, bispos, nobres e a toda classe de pessoas da Igreja e da sociedade. Descontando a muita correspondência que se perdeu, não se pode deixar de admirá-la ao considerar o volume, a extensão, a qualidade e variedade de sua actividade epistolar e literária.

Em Julho de 1643 Filipe IV detém-se em Ágreda, a caminho de Zaragoza. Visita a madre Ágreda e lhe propõe a sua ideia de manter correspondência com ela. O rei lhe escreverá a meia margem, a fim de que a resposta da monja vá no mesmo papel. E, segundo o acordado, dentro de poucos dias lhe escrevia o rei já de Zaragoza a sua primeira carta. Assim se iniciou esta célebre correspondência, que só a morte da Venerável interromperia.
Que buscava Filipe IV quando bateu às portas daquele mosteiro? Ajuda sobrenatural, sem dúvida, pois que os meios humanos e naturais lhe iam faltando momentaneamente. O panorama da monarquia espanhola era inquietante: Catalunha sublevada, guerras e reveses com França, Flandres, Itália, Portugal; falta de meios e recursos para atender a tantos “empenhos”... O rei acabava de apartar de si ao omnipotente conde duque de Olivares, a quem a opinião popular culpava de todos os desastres. Porém, só e sem o conde, o apático Filipe IV, que podia fazer? A consciência lhe dizia também que com sua vida desregrada, tinha ofendido a Deus. Em tamanho aperto pede, pois, socorro a uma alma santa, confiando que com suas orações, valimento ante Deus, luzes e conselhos, ajudá-lo-iam a sair daquele labirinto.
Madre Ágreda não defraudou as esperanças que o rei depositara nela. Com fidelidade e perseverança exemplar foi respondendo às cartas reais e desempenhando por este meio um verdadeiro trabalho de reeducação cristã do monarca; ao mesmo tempo, não deixa de dar-lhe conselhos atinados em questões de ordem político-militar que o monarca lhe expõe.
A monja agredina tem uma preocupação constante e geral por aconselhar a paz. Não consegue conceber que, para possuir-se um lugar, morram tantos homens redimidos por Cristo:
“Por defender coisas terrenas, praças ou reinos (pouco importando o que tenham uns ou outros) se derrama tanto sangue cristão, morrem milhares e milhares de homens, gastam os reis suas fazendas, tenham aos pobres súbditos oprimidos, cheios de tributos ...”.
A preocupação pelos pobres, ao transmitir ao rei as queixas, vexações e trabalhos destes, é outra constante que se adverte nas cartas. Inclusive, chega a dizer que o estado eclesiástico muito pouco sente a necessidade da paz, pois não é atingido pelas consequências da guerra, que tanto afligem aos pobres.
Segundo parece, mais de uma vez sentiu-se desencorajada e tentada a suspender aquelas cartas, sobretudo vendo a pouca emenda do rei (coisa que a ela não lhe ocultava, pois estava a par das coisas da Corte); porém sustentou um fogo de ardoroso amor, que ela acreditava infuso, e que a impelia a trabalhar por aquela monarquia, cuja causa vinha identificada com a de Deus e a Sua Igreja.
O rei, por seu lado, quase constantemente repete nas suas cartas o alívio que recebe com a correspondência de madre Ágreda, o gozo com que toma o trabalho de escrever-lhe, a dita pelo facto de tê-la conhecido, a pena que sente quando a monja tarda em responder. Sem dúvida, o que confortava e comovia ao rei era, sobretudo, ver a íntima compenetração e o sincero interesse com que aquela alma de Deus se fatigava pelo seu bem e por causa de sua monarquia.
Um feito que dilata a finura da alma da concepcionista de Ágreda é o absoluto desinteresse com que serviu ao rei. Queremos dizer que nunca se aproveitou de suas relações com ele para receber vantagens a seu favor, do seu mosteiro ou dos seus familiares. Ao que parece, o irmão mais velho da Venerável, Francisco, quis valer-se da influência da sua irmã para chegar a ser bispo; inclusive chegou a ter uma audiência com o rei. Madre Ágreda, que não conseguiu fazê-lo desistir dos seus intentos, de antemão, avisa ao rei da visita, diz-lhe que lhe dê boas palavras de despedida, mas sem levar a sério suas pretensões.
O exame da Inquisição
A Inquisição espanhola abriu processo pela primeira vez no assunto da Venerável em 1635. Porém, então parece ter limitado-se a fazer algumas perguntas a diversas testemunhas e informantes, caindo a causa em suspenso durante muitos anos.

Porém, em 1649 retoma-se o exame. O Padre Antônio Gonzalo Del Moral é mandado a Ágreda como qualificador do Santo Ofício para interrogar a Venerável diante do notário à base de um questionário de oitenta perguntas, a maioria das quais referem-se à suas supostas viagens às Índias. A abadessa de Ágreda, reconhece que naqueles anos das exterioridades, como havia ouvido falar da evangelização dos índios, acreditava às vezes ser levada para lá, onde lhes pregava, porém, sempre abrigou dúvidas sobre a realidade de tais factos. Por outro lado, Benavides e outros Padres respeitáveis deram o facto por incontestável e fizeram-na assinar o famoso Memorial. Amedrontaram-na dizendo “que podia cair na heresia de Pelágio, atribuindo à natureza o que era sobrenatural”. “Me rendi – disse ela – mais à obediência que à razão”. Nas respostas da Venerável vemos o juízo que muitos anos depois tinha ela formado sobre o período das exterioridades.
Pelo que do interrogatório se deduz, todo este facto das viagens às Índias originou-se de uma carta do Padre Francisco Andrés de la Torre, director da Venerável, ao Arcebispo do México, Dom Francisco Mando de Zúñiga, em que lhe dizia que averiguasse se no Novo México sabiam de uma monja que andava fazendo conversações. Mais tarde veio dali Frei Alonso de Benavides dizendo que, efectivamente, havia sido vista, fornecendo detalhes. Este redigiu um Memorando que foi amplamente difundido. Ao perguntar o qualificador à madre Ágreda porque firmara o Memorando de Benavides, esta argumentou que quando o assinou estava turbada, afirmando o que não sabia, e pensava que ela estava errada e eles certos: ao ver-se diante de tantos Padres solenes não supôs fazer outra coisa. Acrescentou que os frades e monjas dispuseram o caderno como quiseram, e de sua informação temerosa fizeram pouco caso. Diziam que tinha temores imprudentes e escrupulosos.
Enfim, acrescentou madre Ágreda, que sobre a questão de ida às Índias mais de uma vez, pensou fazer uma declaração verdadeira por escrito, vendo quão variavelmente falavam, e em algumas coisas exageravam a verdade, porém, crendo que o tempo o esqueceria, tomou o cuidado de queimar os papéis que havia feito.
O qualificador frei António Gonzalo del Moral, da Ordem dos Trinitários, encerra o expediente fazendo uma declaração sobre o alto conceito que se formou da interrogada, desculpando o assunto de ida às Índias pelas circunstâncias em tudo aquilo que se escreveu.
Cabe perguntar o que moveu a Inquisição a prosseguir agora uma causa que, durante muitos anos, havia permanecido praticamente esquecida. Parece que a ocasião foi a seguinte: o duque de Híjar havia sido processado por conjuração contra o rei, e durante o processo apresentou, a modo de desencargo, uma carta da Venerável. Também o Padre Monterón, franciscano, havia sido posto na prisão porque nos seus sermões falava de revelações que anunciavam desgraças ao rei. De fato, no interrogatório, perguntou-se à Venerável sobre suas relações com o duque de Híjar e o Padre Monterón.
Última doença e morte
A Venerável sempre teve saúde delicada e padeceu de diversos achaques e enfermidades. Silvela conta das sangrias que menciona nas suas cartas, e que somam setenta e uma no espaço de catorze anos. Em carta de 19 de Novembro de 1660 fala ao rei que padeceu de grande enfermidade, deitou sangue pela boca, ... Em 16 de Junho de 1661, fala de dores de cabeça de que resultou a perda da vista, provocando fadigas mortais.

A última enfermidade, segundo o biógrafo, foi ocasionada por uma febre e abcesso no peito. Foram onze dias no total, os que teve de permanecer na cama. Em todos eles, serviu de edificação geral às religiosas, às que, por insinuação do confessor, e vendo que choravam amargamente, falou nestes termos no momento de receber a Santa Unção: "Irmãs, não façam isso; olhem que não temos tido outro trabalho e que se devem receber com igualdade de ânimo os que Deus envia; se Sua Majestade quer que nos apartemos, cumpra-se sua santíssima vontade. O que eu os rogo é que sirvam ao Senhor, guardando sua santa lei, que sejam perfeitas na observância de sua regra e fiéis esposas de Sua Majestade, e procedam como filhas da Virgem Santíssima, pois sabem o que devemos à nossa Mãe e Prelada. Tenham paz e concórdia entre si e amem-se umas às outras. Guardem seu segredo, afastando-se de criaturas e retirando-se do mundo: deixem-no antes que ele as deixe. Desenganem-se das coisas desta vida e trabalhem enquanto tem tempo. Cumpram com suas obrigações, que com isso terei eu menos purgatório, de tantos anos de prelada. Se procederem assim receberão do Senhor a bênção, que eu lhes dou". Então, levantando a mão e formando sobre elas o sinal da Cruz, disse: "A virtude, a virtude, a virtude lhes encomendo". Em seguida, foram chegando sucessivamente uma após outra para lhe pedir em particular a sua bênção, e a cada uma deu a amorosa Madre as advertências e conselhos que em particular lhes convinha, cuja eficácia e acerto maravilhoso, no que a si toca, testifica.
Foi assistida nos últimos momentos pelo Provincial Samaniego e pelo próprio Geral da Ordem, P. Salizanes, que indo de caminho a Santo Domingo da Calçada para presidir ao capítulo que tinham de celebrar as províncias de Burgos e Cantábria, dirigiu-se a Ágreda e assim pôde estar presente na morte e exéquias da Venerável. Morreu esta no dia de Pentecostes, 24 de Maio de 1665, à hora Tércia. Às suas exéquias concorreu numerosa multidão, pois era muito estimada. Ao fim de poucos meses, como se a falta da sua fiel e sincera amiga o tivesse abatido, morria também Filipe IV.
A madre Maria de Jesus de Ágreda, como tantos outros casos relevantes da espiritualidade cristã, é a realização mais completa, daquela parábola evangélica segundo a qual da morte brota a vida; da contemplação, à acção, é a prova de que a vida escondida em Cristo é a mola mais poderosa do verdadeiro amor ao próximo.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Porque quero revê-la em ti
Um dia entrei na igreja
e, com o coração cheio de confidência,
perguntei-lhe:
«Porque quiseste ficar na terra,
em todos os lugares da terra,
na dulcíssima Eucaristia,
e não encontraste,
Tu que és Deus,
um modo de trazer e deixar também Maria,
a Mãe de todos nós que viajamos?».
No silêncio parecia responder:
«Não a trouxe porque a quero rever em ti.
Mesmo se não sois imaculados,
o meu amor virginizar-vos-á e tu, vós,
abrireis braços e corações de mães
à humanidade,
que, como outrora, tem sede do seu Deus
e da Mãe dele.
Cabe agora a vós
aliviar as dores, as chagas, enxugar as lágrimas.
Canta as ladainhas e procura espelhar-te nelas».
O Espírito Santo fez brotar estas palavras no coração de Chiara Lubich, contudo, bem podiam ter germinado no coração de Santa Beatriz da Silva, pois dizem na perfeição o caminho de santidade dado por Deus a Beatriz e às suas filhas.
(Chiara Lubich, “Meditações”, Editora Cidade Nova, Abrigada, 2005, pg.49)

terça-feira, 24 de junho de 2008

Mosteiro Concepcionista de Campo Maior



A Monja Concepcionista realiza o seguimento de Cristo
a exemplo de Maria,
no silêncio que facilita a escuta da Palavra,
na obediência aos planos de Deus
sobre o mundo e a própria pessoa,
nas simples tarefas quotidianas da vida,
na entrega generosa da capacidade de amar,
do desejo de possuir
e de liberdade de dispor livremente da própria vida.

Iluminada pelo exemplo de Santa Beatriz,
que ajudava com a sua oração
à construção do Reino de Deus e da cidade terrena,
a monja concepcionista sabe que a sua oração
é a oração da Igreja,
cuja fecundidade apostólica é misteriosamente eficaz.

(Constituições Gerais da Ordem da Imaculada Conceição)

O Mosteiro é o lugar que Deus guarda (cf Zc. 2,9);
é a morada da Sua presença singular (...)
na qual se realiza o encontro diário com Ele,
onde o Deus três vezes Santo
ocupa completamente o espaço,
e é reconhecido e honrado como o único Senhor.

(Verbi Sponsa, 8)

Chamadas a imitar Maria...
Deus favorece algumas almas inspirando-lhes uma devoção singular, entusiasta e centrada na Santíssima Virgem. Estas almas, impulsionadas pela graça, consagram-se inteiramente à Senhora e identificam-se com ela mediante a prática da vida mariana, que consiste em inspirar-se para tudo na Virgem e fazer tudo em união com Ela.
Deus revela à alma mariana a excelência da Virgem, os seus privilégios e as suas virtudes, com maravilhosa claridade e divinos efeitos. A alma sente-se chamada a copiar em si as virtudes da Senhora, os seus sentimentos e aspirações, tudo o que se vê e se sabe d’Ela, mas com uma força tão misteriosa como eficaz; e em muito pouco tempo consegue tomar posse do espírito e virtudes da Senhora, cuja vida começa a ser a sua própria vida. Aprende na Virgem a amar a virtude sobre todas as coisas e a aborrecer-se até com as imperfeições mais leves, a procurar a destruição de tudo o que herdou do velho Adão e da pecadora Eva. Numa palavra, aprende a amar tudo o que é bom e adquire energias para o praticar.
Procurem ser marianas as almas que se sentem chamadas à intima união com Deus, e asseguro-vos que não lhes custará, porque não há outro meio pelo qual se consiga tão rapidamente a sua pretensão e tão vantajosamente como a verdadeira devoção à Virgem, que já disse consiste na firme e inviolável adesão à Senhora, e regular a nossa conduta pela Sua.
Venerável madre Maria dos Anjos Sorazu, oic
("La Vida Espiritual, coronada por la triple manifestacion de Jesucristo",
Madrid, 1956, Centro de Propaganda, pág. 72-82)

Regra de Júlio II
Esta Regra foi aprovada e confirmada pelo papa Júlio II,
mediante a Bula «Ad Statum Prosperum» de 17 de Setembro de 1511

Em nome do Senhor começa a Regra das Monjas
da Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria

CAPÍTULO I
Do que devem prometer as que querem entrar nesta ordem
1. Aquelas que, inspiradas e chamadas por Deus, desejam abandonar a vaidade do mundo e, vestindo o hábito desta Regra, desposar-se com Jesus Cristo nosso Redentor, pela honra da Conceição Imaculada da sua Mãe, façam voto de viver sempre em obediência, sem propriedade e em castidade, com clausura perpétua.
CAPÍTULO II
Da recepção e profissão das noviças

2. Como o ingresso nesta Ordem é uma oblação singular que se oferece ao nosso Redentor e à sua Mãe gloriosa, entregando-se a ele como hóstia viva em alma e corpo, convém que as que querem abraçar esta Ordem sejam examinadas diligentemente se são católicas e fiéis cristãs, não suspeitas de nenhum erro, não ligadas pelo matrimónio, sadias de corpo e mente, prontas na vontade; as quais deverão ser instruídas e informadas em todas as coisas que hão-de observar, para que provem, com deliberação madura, se lhes convirá abraçar esta vida e Regra, para que não venham depois a se lamentar das austeridades e dificuldades que neste caminho divino, por vezes, encontrarão.
3. Não seja recebida nenhuma de doze anos de idade, nem com tão avançada idade que não possa, sem agravo e dificuldade, levar a aspereza desta Regra, a não ser que, por cau­sa grave e razoável, alguma vez for dispensada pelos Prelados.
4. A Abadessa não receba por própria autoridade nenhuma irmã, sem o consentimento de todas as monjas ou ao menos da maior parte delas, e sem licença do Visitador.
5. Acabado o ano de provação, se à maior parte das irmãs parecer que o seu comportamento é recomendável e que é apta para a Religião, seja recebida à profissão, prometendo nas mãos da Abadessa observar sempre esta vida e Regra, deste modo: «Eu, Sor N., por amor e em serviço de Nosso Senhor e da Imaculada Conceição da sua Mãe, faço voto e prometo a Deus, e à Bem-aventurada Virgem Maria, e ao Bem-aventurado São Francisco, e a todos os Santos, e a ti, Madre, viver todo o tempo da minha vida em obediência, sem propriedade e em castidade, e em clausura perpétua, sob a Regra pelo Santíssimo Papa Júlio II à nossa Ordem concedida e confirmada».
E a Madre Abadessa lhe prometerá a vida eterna se guardar estas coisas.
CAPÍTULO III
Da forma do hábito desta religião

6. O hábito das monjas desta Ordem seja desta forma: a túnica e o hábito com o escapulário, sejam de cor branca, para que a candura deste vestido exterior dê testemunho da pureza virginal da alma e do corpo; o manto seja de pano grosso ou de estamenha de cor de jacinto pela significação mística, isto é, que a alma da Virgem gloriosa, desde a sua criação, foi feita celeste e singular morada do Rei Eterno.
7. Levem no manto e no escapulário a imagem de Nossa Senhora circundada de raios solares e a cabeça coroada de estrelas; no escapulário levem esta imagem pendente sobre o peito, para que dormindo ou trabalhando, a possam colocar em lugar honesto e a retoma-la, quando forem ao coro, locutório ou capítulo; e no manto levarão esta imagem cosida no ombro direito. Assim recordará ás professas desta santa Religião que deverão levar a Mãe de Deus, entronizada nos seus corações, como exemplo de vida, para imitar a sua conduta inocentíssima, e seguir a humildade e o desprezo do mundo que ela praticou, quando vivia neste século. A corda ou cordão seja de cânhamo, como levam os Frades Menores. A cabeça seja cingida com uma touca branca que cubra honestamente por baixo as faces e o colo. As professas levem à cabeça um véu preto, não precioso nem extravagante, em todo lu­gar e tempo, e tenham os cabelos sempre cortados. Como calçado usem tamancos, solas ou chinelas, ou sandálias de simples cortiça. A Madre Abadessa poderá dar a dispensa, com o conselho das Discretas, nas necessidades, para que vistam túnicas de linho, ou usem mais roupas, ou para que possam levar calçado, segundo as exigências dos lugares e das pessoas.
8. Procurem imitar, além do mais, a humildade e a pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe bendita, amando a santa pobreza, assim na vileza dos vestidos como no calçado e em todas as outras coisas, para que mereçam ser iluminadas pelo Pai das luzes e perseverar até o fim.
CAPÍTULO IV
Do protector desta ordem

9. Para que o serviço de Deus cresça continuamente e seja estável, mediante o governo prudente e religioso de bons Pastores e aumente a devoção da Puríssima Conceição da Virgem gloriosa nos corações piedosos, queremos que o Senhor Cardeal, que é ou for o Protector dos Frades Menores da Observância, seja governador e defensor desta Religião, assim como o é dos Frades Menores da Ob­servância.
10. Queremos, do mesmo modo, já que os Frades Menores com incansável esforço e dedicação se constituíram em defensores da Pura e Límpida Conceição da Mãe de Deus, que os Vigários Gerais nas suas Vigarias e os Provinciais e Custódios nas suas Províncias e Custódias sejam os Visitadores desta santa Religião, aos quais [as monjas] estejam firmemente obrigadas a obedecer em tudo o que ao Senhor prometeram observar e não seja contrário à alma e a esta Regra.
11. Cuidem os Visitadores de visitar as irmãs ao menos uma vez ao ano, e, quando por esta razão ingressarem no mosteiro, acompanhados de honesta companhia, mandem primeiramente ler a Regra diante da comunidade e, depois de comentada pelo Visitador, a Abadessa pedirá para ser desligada do ofício e entregará o selo ao Visitador. O Visitador indagará com diligência a respeito da conduta da Abadessa e das súbditas, interrogando de modo geral e detalhado acerca do comportamento das monjas e da observância desta Regra. Encontrando alguma coisa digna de correcção, castigue e reforme com zelo de caridade e amor da justiça e com discrição piedosa, tanto na cabeça como nos membros, quanto ofende a Deus. E se a Aba­dessa for achada falha e não idónea para o ofício, seja exonerada do ofício pelo mesmo Visitador.
12. Visite também os que participam da família do mosteiro, para alcançar que este estado, no interior como no exterior, seja ordenado para a glória de Deus e da sua Mãe Santíssima.
CAPÍTULO V
Da eleição da Abadessa
e da submissão que lhe é devida
13. A eleição da Abadessa compete à comunidade, de modo que elejam voluntariamente a quem por amor terão de obedecer. Depois de realizada a eleição canónica por toda a comunidade ou pela maior parte dela, seja confirmada pelo Visitador. Procurem as monjas, com toda a diligência, eleger uma Abadessa que sobressaía pelas suas virtudes e honestidade.
Distinga-se não tanto pelo cargo quanto pelos bons costumes; seja tal que pelo seu exemplo estimule as suas súbditas a obedecer-lhe com amor; seu comportamento torne-se uma pregação viva para as monjas.
14. Ame a todas, sem parcialidade, em Jesus Cristo, porque a acepção de pessoas na Religião nunca se faz sem escândalo e grandíssimo prejuízo da comunidade.
15. Não se glorie vãmente pela prelazia, mas antes chore no seu interior, considerando quanto é difícil dar conta a Deus das outras almas, pois tão poucas se encontram que dêem conta da própria alma.
Lembre-se também que Nosso Senhor não veio para ser servido, mas para servir, e que a Abadessa não é eleita para senhora, mas para servidora das suas súbditas.
16. As súbditas estão obrigadas a obedecer aos seus Visitadores e à Abadessa em todas as coisas que ao Senhor prometeram observar, e recordem-se que por Deus renunciaram às próprias vontades. Considerem que mais obedecem a Cristo seu Esposo do que aos que presidem e que na desobediência e desprezo aos Superiores, Nosso Senhor Jesus Cristo é desprezado e desobedecido, segundo o que o mesmo Senhor diz no Evangelho: Quem a vós ouve a mim me ouve, e quem a vos rejeita a mim rejeita (Lc 10,16).
CAPÍTULO VI
Da observância da pobreza

17. Como a fraqueza das mulheres, principalmente das que vivem encerradas por Cristo, está sujeita a muitas necessidades, a fim de que não lhes faltem meios para remediá-las, poderão ter possessões e rendas em comum, as quais não é licito vender ou alienar, senão para maior utilidade e proveito da casa, e isto com o consentimento do Visitador e da Aba­dessa e da maior parte da Comunidade. A Abadessa, porém, poderá dar ou alienar bens imóveis, de pouco valor, conforme lhe parecer conveniente.
18. Como as monjas em particular estão obri­gadas a observar a pobreza, de nada poderão se apropriar. Poderão, contudo, com a licença da Abadessa, ter o simples uso do que lhes for concedido. Devem considerar como maior riqueza o conformar-se com a pobreza que para si escolheram nosso Redentor e a sua Mãe Santíssima.
19. Não achem humilhante usar vestes pobres e remendadas, porque vestidas alegremente com elas por Cristo, como suas esposas, possuirão riquezas espirituais no céu. Será tanto mais agradável a Cristo, seu Esposo, aquela que se contenta com hábitos mais vis e com coisas de menor preço necessárias ao corpo.
CAPÍTULO VII
Da clausura em geral
20. As monjas professas desta Religião estarão firmemente obrigadas a viver em perpétuo encerramento dentro da clausura interna do mosteiro. Mas se em algum tempo, o que Deus não permita, surgir necessidade inevitável, como incêndio ou assalto de homens armados, - casos que não admitem dilação -, nestes ou em casos semelhantes, poderão transferir-se para um lugar conveniente, onde viverão em clausura honesta, até que se lhes providencie um mosteiro.
21. Os Visitadores, todavia, gozarão de autoridade necessária para enviar uma ou mais monjas para fundar, reformar ou governar outro mosteiro da sua Ordem, ou por motivo de correcção, ou por outra necessidade manifesta.
CAPÍTULO VIII
Da clausura em particular

22. Para que as monjas desta Religião possam melhor e mais perfeitamente guardar a clau­sura que prometeram ao Senhor, tenham uma porta colocada no alto, a qual se possa subir por uma escada levadiça, que estará levantada, excepto quando alguém tiver de entrar por causa inevitável e necessária, como se especificará no capitulo seguinte.
23. Tenham, assim mesmo, em lugar aberto e público, uma roda bem feita e forte, cuja altura e largura seja tal que nenhuma pessoa possa entrar ou sair por ela. Através dela introduzam-se as coisas que nela possam ca­ber. Tenha esta roda, como protecção, portinholas por dentro e por fora, que deverão permanecer fechadas durante a noite, e mes­mo de dia, no verão, enquanto dormem as irmãs.
24. Haja, além disso, em lugar elevado, uma abertura, à maneira de janela, com duas portas de largura e altura convenientes, pela qual sejam introduzidas as coisas que não podem passar pela roda.
25. Tenham, outrossim, em lugar honesto, um locutório, protegido com grades de ferro por dentro e por fora, com uma cortina preta, para que as Religiosas não possam ver os outros nem serem por eles vistas. Não seja permitido às irmãs falarem neste locutório, em tempo algum, desde Completas até à Prima do dia seguinte, nem em tempo de refeição, nem enquanto repousam as irmãs em tem­po de verão, a não ser que sejam obrigadas por necessidade manifesta. Nos mosteiros, onde vivem muitas irmãs, poderão ter dois locutórios.
26. No muro que separa as irmãs da capela, haverá duas janelas grandes ou uma, segundo a disposição do coro, protegidas com gra­des de ferro, por dentro e por fora, com cortina preta, para que os que estão na igreja não possam ver as irmãs; estas janelas tenham, além disso, portas de madeira por den­tro com fechadura e chaves que só se abrirão quando se recita o Ofício Divino; mas a cortina somente será corrida na hora da elevação do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor Je­sus Cristo.
27. Haja também na igreja, em lugar apropriado, para receber o Sacramento do Corpo do Senhor, uma janelinha com porta de ma­deira de tais dimensões que por ela se possa introduzir a âmbula. Estará sempre fechada e não se abrirá a não ser quando as irmãs recebem a Eucaristia, de modo tal que, quan­do as irmãs recebem o Corpo do Senhor, não possam ser vistas pelos seculares.
CAPÍTULO IX
Da entrada nos mosteiros desta ordem

28. Mandamos firmemente que ninguém entre na clausura do mosteiro, excepção feita aos Visitadores, quando no exercício de seu ofício, e os confessores para administrar os sacramentos da Igreja, e os médicos para visitar as enfermas, e os operários, quando for necessário executar algum reparo da casa. Se alguém entrar de outra maneira, tanto os que entram como os que os admitem incorrem na excomunhão.
29. Quando entrar algum dos sobreditos, vá acompanhado pela Abadessa ou a Vigária e as porteiras da escada, uma das quais irá adiante tocando a campainha, para que as irmãs, ao ouvi-la, se recolham; enquanto estiverem na clausura, as irmãs cubram o rosto com véus pretos, porque não devem desejar ser vistas por ninguém, senão por seu esposo, o Senhor Jesus Cristo.
CAPÍTULO X
Do ofício divino e da oração

30. As irmãs considerem atentamente que, acima de todas as coisas, devem desejar ter o espírito do Senhor e seu santo modo de operar, com pureza de coração e oração devota; purificar a consciência dos desejos terrenos e das vaidades do mundo, tornar-se um só espírito com Cristo, seu Esposo, mediante o amor, pelo qual se alcança o desejo interior das virtudes e a inimizade continua aos vícios que nos separam de Deus.
31. A oração, com efeito, é a que nos faz amar aos inimigos e rezar, como diz o Senhor, pelos que nos perseguem e caluniam (Mt 5, 41); e ela que converte em suavidade a clausura e os demais trabalhos da Religião.
32. Para que, pois, este ministério, tão necessário para a salvação, se exercite melhor nesta sagrada Ordem, as irmãs que são recebidas para o coro estão obrigadas a dizer o Oficio divino, nas festividades solenes em que não se trabalha e nas suas oitavas e nos domingos «primo ponendas» e que necessariamente se hão-de recitar, e nas férias, segundo o Breviário romano, tal como o recitam os Frades Menores; celebre-se também a oitava do Seráfico Pai São Francisco, mas nenhuma outra da sua Ordem. Mas em todas as festas simples e nos domingos não «primo ponendas», digam o Ofício da Conceição, com a comemoração do domingo, segundo a forma do Breviário, que para isto se lhes há determinado. O Ofício «parvo da Conceição» digam-no como lhes é costume.
33. As monjas Leigas digam vinte e quatro Pai Nossos e Ave-Marias pelas Matinas; pelas Laudes, cinco; pela Prima, Tércia, Sexta, Noa e Completas, sete a cada uma destas horas; pelas Vésperas, doze, e rezem pelos defuntos.
34. E para que este sagrado estado cresça continuamente em virtude e em religião, me­diante os sacramentos, empregarão as irmãs a máxima diligência em confessar-se e receber a Eucaristia nas festas da Conceição de Nossa Senhora, do Natal do Senhor e da Purificação de Nossa Senhora; na primeira semana da Quaresma e na Anunciação de Nossa Senhora, ou na Semana Maior; nas festas da Ressurreição do Senhor, Pentecostes, Visitação, Assunção, Natividade de Nossa Senhora e nas festas do Seráfico Pai São Francisco e de Todos os Santos.
CAPÍTULO XI
Do jejum e do cuidado piedoso para com as enfermas

35. As irmãs jejuem na Quaresma maior e em todos os dias prescritos pela Igreja, e desde a festa da Apresentação de Nossa Senhora até o Nascimento do Senhor, e em todas as sextas-feiras do ano; aos sábados, as que quiserem voluntariamente jejuar por reverência a Nossa Senhora, sejam abençoadas pelo Se­nhor; e as que não o quiserem, não sejam obrigadas.
36. A Abadessa poderá, com o conselho das Discretas, dispensar as enfermas e fracas, segundo achar que convém à sua necessidade.
37. A Abadessa tenha cuidado pelas irmãs enfermas como de si mesma; porque se a mãe ama e consola a sua filha carnal, com quanto maior solicitude deverá a Abadessa, que é mãe espiritual, alimentar, socorrer e consolar suas filhas espirituais, em tempo de necessi­dade e enfermidade.
38. Haverá, para isso, uma enfermaria, no lugar mais salubre da casa, em que as enfer­mas serão cuidadas e atendidas pela Abades­sa, Vigária e Enfermeira, como elas mesmas gostariam de ser servidas, com humildade, benignidade e caridade. Sejam, além disso, visitadas pelo médico designado pelo Visitador ou pela Abadessa.
39. Procure a Abadessa visitar a enfermaria uma vez ao dia, salvo se for legitimamente impedida, ou a Vigaria no seu lugar, para que se inteirem das necessidades das enfer­mas, porque Nosso Senhor nos recomenda as obras de caridade sobre todas as coisas.
CAPÍTULO XII
Do modo de trabalhar, de dormir

e da observância do silêncio

40. Todas as irmãs, excepto as enfermas, trabalhem fiel e devotamente durante as horas determinadas, afastando a ociosidade, inimiga da alma, que é caminho e porta, pela qual entram os vícios e os pecados que levam a alma a perdição.
41. Nenhuma se aproprie do preço do trabalho, mas antes todas as coisas sejam comuns, como convém às servidoras de Deus e imitadoras da santa pobreza da sua Mãe.
42. Amem o silêncio, porque no muito falar não falta pecado; aquela que não ofende com a língua possui grande perfeição, e vã é a virtude da Religiosa que não refreia a sua língua. Guardem, portanto, o silêncio papal no coro, no claustro, no dormitório e no refeitório, e em toda a casa, a partir das Completas até o primeiro sinal de Prima do dia seguinte, e no tempo em que dormem depois do almoço, desde a Ressurreição do Senhor até à Exaltação da Santa Cruz. Poderão, contudo, nestes tempos, falar o que seja necessário em voz baixa e honestamente.
43. Não falem com pessoa alguma que não seja do mosteiro, sem licença da Abadessa e sem escutas.
44. Mostrem-se verdadeiras imitadoras da humildade e mansidão de Nosso Redentor e da sua Mãe Dulcíssima, no falar, no andar e nas maneiras.
45. As irmãs durmam vestidas com o hábito e cingidas com o cordão, num dormitório comum, no qual haverá uma lâmpada acesa durante toda a noite; e cada uma dormirá na sua cama, excepto as enfermas que dormirão na enfermaria.
A Abadessa poderá permitir às irmãs enfer­mas que tirem o hábito para dormir. As defuntas sejam sepultadas com o hábito da sua profissão, sem o manto.
As camas das irmãs sejam pobres e conforme a pobreza que ao Senhor Deus prometeram observar. A cama da Abadessa estará colocada de tal maneira que possa ver, com facilidade, as camas das irmãs.
46. A Abadessa e as monjas esmerem-se por observar perfeitamente esta Regra e forma de vida, para que, permanecendo sempre humildes, e submissas e constantes na fé católica, observem até o fim os votos que ao Senhor prometeram.