sábado, 28 de junho de 2008

Venerável
madre Maria de Jesus de Ágreda oic
virgem e monja Espanhola
da Ordem da Imaculada Conceição
por (cf.) Celestino Solaguren, ofm

Ágreda é um vilarejo pertencente à província de Sória, que confina com A
ragão e se encontra da mesma forma muito próxima ao limite de Navarra. Encontra-se, portanto, situada nos confins de três reinos históricos da Espanha, nos assentamentos de Moncayo. Até os últimos reajustes de dioceses pertenceu à de Tarazona.
A Venerável Maria de Jesus, chamada muito comummente a Madre Ágreda, aqui, viveu e morreu, sem jamais ter saído dos limites da vila.
Infância e Juventude
Os pais da madre Maria de Jesus de Ágreda foram Francisco Coronel e Catarina de Arana. No mosteiro de Ágreda conserva-se um documento comprovativo da fidalguia dos Arana, de 1540.

Francisco e Catarina tiveram onze filhos, sete morreram muito cedo. Só sobreviveram dois rapazes e duas raparigas: Francisco, José, Maria e Jerónima.
Ambos extremamente religiosos. A família Coronel-Arana relacionava-se muito com os franciscanos de São Julião, convento franciscano situado nos arredores da vila. A mãe tinha ali o seu confessor e ouvia diáriamente a Missa na Igreja do convento.
A Venerável confessa que ela, em sua primeira infância, parecia um tanto preguiçosa e inútil e para a despertar, sua mãe tratava-a com dureza. A explicação que a madre Ágreda nos dá deste seu comportamento na infância, vai muito além da que os bons pais podiam alcançar. Diz-nos, com efeito, que na idade em não pôde precisar, porém, provavelmente coincidindo com o despontar do uso da razão, e sem que recebesse informações ou ensinamentos exteriores, recebeu de Deus informações sobre o mundo, estado pecador do homem, etc…, cujos efeitos iriam perdurar por toda a vida.
Como resultado daquela manifestação concebeu um temor que jamais a abandonou: temor de ofender a Deus e perder a Graça. Ao cessarem as revelações, passiva, caiu como suspensa. Via-se rodeada de perigos, repleta de misérias, não ousava falar com as criaturas, a todas reputava superiores. Por tudo isso, os pais a julgavam insensata e inútil, e davam-lhe o áspero trato mencionado. “Que iremos fazer desta criatura, que não há-de ser para o mundo nem para a religião?”.
A tudo isso se agregaram diversas enfermidades, que aos treze anos de idade a puseram às portas da morte: “Se fez o preparo para meu enterro”, disse ela. Porém, todos os padecimentos os suportava completamente. “Maravilhavam-se os médicos de que pudesse levar males tão cruéis, com forças tão debilitadas e sem queixar-se”.
Aos doze anos de idade empenhou-se em tratar de ingressar na vida religiosa. A primeira ideia, foi a de tomar hábito nas Carmelitas Descalças de Tarazona e seus pais já faziam os preparativos para isso, quando sobreveio uma circunstância totalmente imprevista, que havia de mudar o rumo de sua vida. A mãe da Venerável, Catarina de Arana, teve revelação, confirmada por seu confessor, frei João de Torrecilla, segundo a qual devia transformar a casa em mosteiro e ingressar nele como religiosas a própria mãe com suas duas filhas, enquanto o pai ingressaria com os dois filhos na Ordem de São Francisco. Na realidade os dois filhos varões eram já religiosos na dita Ordem. Diante disso, Maria deu sua conformidade ao novo plano e desistiu de ir para Tarazona. Porém, a ideia era tão dissonante, que chocou-se com a resistência do pai de família e também com a de um irmão deste, Medel. A oposição dos circunvizinhos, a princípio, foi também geral.
Assim, transcorreram três anos. Não obstante, pouco a pouco se venceram as oposições e dificuldades; o pai mudou de parecer e, em 1618, feitas algumas reformas prévias, a casa de Frederico Coronel se transformou em mosteiro de monjas. Francisco, a quem seguiu depois seu irmão Medel, ingressou como franciscano na qualidade de irmão leigo no convento de Nalda (Sória).
O tempo que transcorreu até que o projecto se transformou em realidade, a madre Ágreda o considerou como uma fase de desregramento. Os acaloramentos em torno ao projecto, as obras, etc…, a distraíram e dissiparam sobremaneira da sua vida espiritual que até cedeu à tentação da vaidade.
O novo mosteiro havia de ser a Ordem da Imaculada Conceição. Sem dúvida, o fervor Imaculista, que a Espanha conhecia então, foi causa desta preferência. Porém entre as Concepcionistas havia dois ramos: um de calçadas e outro de descalças. Mãe e filhas decidiram-se pelas descalças. Mas como na área da província franciscana de Burgos, à que pertencia a fundação de Ágreda, não havia Concepcionistas descalças, só calçadas, cometeu-se a anomalia de trazer de Burgos três monjas Concepcionistas calçadas na qualidade de fundadoras de um mosteiro que havia de ser do ramo descalço. Por esta razão dirá madre Ágreda que a fundação não teve bom princípio, pois as fundadoras vindas de Burgos tinham que ensinar um modo de vida que elas não haviam professado nem praticado.
Dezasseis anos tinha madre Ágreda quando tomou o hábito, juntamente com sua mãe e irmã. Prontamente houve novas vocações. Nesta primeira época, a abadessa, era das vindas de Burgos na qualidade de fundadoras.
Uma vez vestido o hábito, madre Ágreda reage contra a dissipação anterior e entrega-se totalmente à vida espiritual. Professa em 1620 e começa na sua vida um período de enfermidades, tentações e extraordinários trabalhos, que será seguido por outro de fenómenos espirituais ressonantes.
As exterioridades
Quando madre Ágreda tinha dezoito anos, no ano seguinte à sua profissão, começam a ocorrer na sua vida certos fenómenos místicos, aos que se deram indiscreta publicidade, sem ela querer ou saber. Um dos confessores que teve por este tempo foi frei João de Torrecilla. Dele diz a venerável que era mais bom que cauteloso. Madre Ágreda padecia com frequência êxtases, arroubos e raptos, fenómenos de levitação, gravidade, etc… e acudia muita gente a vê-la neste estado. As monjas que então governavam o mosteiro, longe de impedir, fomentavam a exibição.

“E chegou minha infelicidade – escreve a madre Ágreda – a que depois de comungar me colocaram o véu e me viram alguns seculares. E como isto, de arroubos, faz no mundo imprudente tanto barulho, estendeu-se e passou adiante a publicidade, as superioras que haviam, eram amicíssimas destas exterioridades e foram se empenhando com uns e outros seculares, por haver concedido a alguns, não se lhes negavam a outros.
Deu-me aviso disto um enfermo, aflito, que veio ao mosteiro me ver, o que para mim foi tão fatigante, minha amargura e dor foram tais, que fiz voto de não receber a Nosso Senhor sem fechar-me no comungatório. Pedi um cadeado e me fechei, e o podia fazer porque só comungava pelas muitas enfermidades que eu tinha. Outras vezes, que me tiravam a chave, bebia xarope ou medicamentos para que não me obrigassem a receber Nosso Senhor, julgando melhor carecer deste consolo, que submeter-me a tão grande imprudência, como mostrar-me a todos os que concorriam que, só de ouvir o barulho deles, me desmaiava, repreendiam-me asperamente e me imputavam desobediência e, para obedecer, me rendia".
Ante as queixas da interessada, interveio o Provincial frei João de Villalacre para pôr fim àquelas exibições. Por ordem do dito provincial ela mesma pediu a Deus que terminassem todas as exterioridades, tendo Deus atendido. Isto ocorreu em 1623.
“O modo que teve de encerrar esta publicidade – diz a Venerável – foi que, armada de fé e esperança, fui ao Senhor e prostrada ante seu Ser imutável, lhe disse que não me havia de levantar até que me concedesse retirar todas as exterioridades em público e que os benefícios que me havia de fazer fossem a sós, e ao prelado, que era el Padre frei João de Villalacre, Provincial, lhe supliquei que pusesse censuras às religiosas para que, estando recolhida, não me manifestassem aos seculares. O prelado o fez lindamente e o Altíssimo desde aquela hora me mudou o caminho e me pôs em outro, do qual era mister escrever muito para declarar-lhe”.
A partir desta data, a vida mística da Venerável, ainda que mais elevada, será oculta, sem estas repercussões exteriores.
A novidade do cessar daqueles fenómenos produziu não pequena impressão nas monjas e deu lugar a vários pareceres. Para muitas, o término de agora fazia suspeito todos os anteriores. Ela calava. Só sua mãe natural lhe falou algumas vezes, porque a via constristada por este motivo.
A estes anos das exterioridades, pertencem também as supostas "viagens" (bilocações) da Venerável para evangelizar aos índios do Novo México.
No mesmo ano de 1623 voltaram a Burgos as primitivas fundadoras e em seu lugar, vieram de Madrid, do mosteiro do Caballero de Gracia, outras três monjas, também na qualidade de fundadoras. Estas eram das Concepcionistas descalças. Estas segundas fundadoras governaram o mosteiro por quatro anos.
Madre Ágreda guardou sempre muito boa recordação das monjas de Cabellero de Gracia por seu trabalho como educadoras da nova fundação.
Abadessa
Durante onze anos, ou seja, até que se cumprissem os vinte e cinco anos desde a fundação do convento, foi madre Ágreda abadessa por nomeação dos superiores religiosos. Depois que se concedeu direito de eleição à Comunidade, foi eleita triénio após triénio, até à sua morte. Só uma vez conseguiu a interessada, recorrendo ao Núncio Rospillosi, que não se desse a concessão para reelegê-la novamente, e assim esteve um triénio, de 1652 a 1655, sem ser abadessa.

O governo da Venerável foi mesclado de prudência, suavidade e eficácia e demasiada brandura. Esteve trinta e cinco anos à frente da Comunidade.
Também no temporal se conheceu a eficácia de seu governo. No primeiro ano de seu cargo decidiu edificar novo mosteiro, fora dos muros da vila e próximo ao convento dos franciscanos. Começou com tão poucos meios, que só dispunha de cem reais, que lhe emprestou um devoto. A construção demorou sete anos, resultando em formosa igreja e todas as oficinas necessárias. A mudança das monjas ao novo mosteiro verificou-se em 1633 e celebrou-se com grande pompa. Quando no interrogatório inquisitorial se insinuou à Venerável que havia violado o voto de clausura com suas viagens às Índias, esta respondeu com graça que não havia saído da clausura mais que uma só vez e, esta em procissão, ao trasladar-se do mosteiro velho ao novo.
Quando madre Ágreda iniciou o seu governo, não chegavam as rendas para sustentar as doze monjas. Na sua morte, deixou renda fixa para sustentar as trinta e três.
Em 1652 a Venerável cede quatro das suas religiosas para uma nova fundação em Borja (Zaragoza).
Os directores espirituais
Dada a parte importante que os confessores e directores espirituais tiveram na vida espiritual da Venerável, parece obrigatória a detenção neste ponto. Madre Ágreda foi uma alma possuída durante toda sua vida de um “excessivo temor”. Temor de errar, de extraviar-se. Por isso submeteu-se firmemente à obediência, à direcção dos representantes de Deus.
“Jamais – dirá ela – me aquietei sem este rumo.” Ao director manifestava toda sua consciência, as graças e favores do Senhor e nada fazia sem sua aprovação e conselho. Tinha muito impressa na alma a frase do Senhor no Evangelho: “Quem a vós ouve, a mim ouve; quem a vós obedece, a mim obedece”.
Vale dizer que todos seus directores e confessores, assim como seus superiores eclesiásticos, foram da Ordem Franciscana, pois as religiosas estavam sujeitas à jurisdição dos superiores religiosos da Ordem.
Durante o período das exterioridades teve vários confessores, cujos nomes conhecemos por suas respostas ao interrogatório inquisitorial. São eles: o já citado Frei João de Torrecilla, Frei João Baptista de Santa Maria e Frei Tomás Gonzalo.
Com a intervenção do Provincial Frei João de Villalacre para pôr em ordem as coisas da Venerável, começa um longo período de vinte e quatro anos em que é dirigida pelo Padre Francisco Andrés de la Torre. Este Padre a dirigiu, pois, desde 1623 até 1647, ano em que morreu. Durante o seu mandato, madre Ágreda escreveu pela primeira vez a Mística Cidade, na ausência eventual deste, a queimou por indicação de outro confessor acidental, voltando a refazê-la parcialmente, à morte dele a voltou a queimar, etc...
Depois da morte deste director esteve por algum tempo só, ou seja, sem director. É neste tempo que se queixa ao rei de que a Ordem Franciscana não guarda segredo de suas coisas como deveria.
Foi também agora, neste “interregno” de director, quando foi submetida ao interrogatório da Inquisição.
Por fim, no mesmo ano de 1650 passa a dirigi-la o Padre Andrés de Fuenmayor, que a guiou até a hora da morte. Deste, diz ela estar contente, porque guarda segredo:
“Meu confessor partiu já para sua jornada; é mui douto e tem duas vezes o ofício de Provincial, e o que me consola é que guarda em grande segredo as minhas coisas”.
Sob a direcção deste Padre se encontrava a madre Ágreda quando, por ordem sua, escreveu a redacção definitiva da Mística Cidade. O Padre Fuenmayor foi seu director espiritual muitos anos, escreveu a vida dela e deposições testificais, que existem manuscritas.
Correspondência epistolar com o rei Filipe IV
Não há dúvida que um dos episódios mais admiráveis da vida de madre Ágreda é o de suas relações com o rei Filipe IV, com quem manteve correspondência epistolar por espaço de mais de vinte anos (1643-1665). Desde então, as relações da madre Ágreda com o rei da Espanha não são mais que um capítulo dentre os mais importantes; no conjunto das múltiplas relações e da variadíssima e dilatada troca de cartas, sustentou a Venerável com múltiplos personagens de seu tempo. A madre Ágreda escreveu cartas a Papas, reis, gerais de Ordens religiosas, bispos, nobres e a toda classe de pessoas da Igreja e da sociedade. Descontando a muita correspondência que se perdeu, não se pode deixar de admirá-la ao considerar o volume, a extensão, a qualidade e variedade de sua actividade epistolar e literária.

Em Julho de 1643 Filipe IV detém-se em Ágreda, a caminho de Zaragoza. Visita a madre Ágreda e lhe propõe a sua ideia de manter correspondência com ela. O rei lhe escreverá a meia margem, a fim de que a resposta da monja vá no mesmo papel. E, segundo o acordado, dentro de poucos dias lhe escrevia o rei já de Zaragoza a sua primeira carta. Assim se iniciou esta célebre correspondência, que só a morte da Venerável interromperia.
Que buscava Filipe IV quando bateu às portas daquele mosteiro? Ajuda sobrenatural, sem dúvida, pois que os meios humanos e naturais lhe iam faltando momentaneamente. O panorama da monarquia espanhola era inquietante: Catalunha sublevada, guerras e reveses com França, Flandres, Itália, Portugal; falta de meios e recursos para atender a tantos “empenhos”... O rei acabava de apartar de si ao omnipotente conde duque de Olivares, a quem a opinião popular culpava de todos os desastres. Porém, só e sem o conde, o apático Filipe IV, que podia fazer? A consciência lhe dizia também que com sua vida desregrada, tinha ofendido a Deus. Em tamanho aperto pede, pois, socorro a uma alma santa, confiando que com suas orações, valimento ante Deus, luzes e conselhos, ajudá-lo-iam a sair daquele labirinto.
Madre Ágreda não defraudou as esperanças que o rei depositara nela. Com fidelidade e perseverança exemplar foi respondendo às cartas reais e desempenhando por este meio um verdadeiro trabalho de reeducação cristã do monarca; ao mesmo tempo, não deixa de dar-lhe conselhos atinados em questões de ordem político-militar que o monarca lhe expõe.
A monja agredina tem uma preocupação constante e geral por aconselhar a paz. Não consegue conceber que, para possuir-se um lugar, morram tantos homens redimidos por Cristo:
“Por defender coisas terrenas, praças ou reinos (pouco importando o que tenham uns ou outros) se derrama tanto sangue cristão, morrem milhares e milhares de homens, gastam os reis suas fazendas, tenham aos pobres súbditos oprimidos, cheios de tributos ...”.
A preocupação pelos pobres, ao transmitir ao rei as queixas, vexações e trabalhos destes, é outra constante que se adverte nas cartas. Inclusive, chega a dizer que o estado eclesiástico muito pouco sente a necessidade da paz, pois não é atingido pelas consequências da guerra, que tanto afligem aos pobres.
Segundo parece, mais de uma vez sentiu-se desencorajada e tentada a suspender aquelas cartas, sobretudo vendo a pouca emenda do rei (coisa que a ela não lhe ocultava, pois estava a par das coisas da Corte); porém sustentou um fogo de ardoroso amor, que ela acreditava infuso, e que a impelia a trabalhar por aquela monarquia, cuja causa vinha identificada com a de Deus e a Sua Igreja.
O rei, por seu lado, quase constantemente repete nas suas cartas o alívio que recebe com a correspondência de madre Ágreda, o gozo com que toma o trabalho de escrever-lhe, a dita pelo facto de tê-la conhecido, a pena que sente quando a monja tarda em responder. Sem dúvida, o que confortava e comovia ao rei era, sobretudo, ver a íntima compenetração e o sincero interesse com que aquela alma de Deus se fatigava pelo seu bem e por causa de sua monarquia.
Um feito que dilata a finura da alma da concepcionista de Ágreda é o absoluto desinteresse com que serviu ao rei. Queremos dizer que nunca se aproveitou de suas relações com ele para receber vantagens a seu favor, do seu mosteiro ou dos seus familiares. Ao que parece, o irmão mais velho da Venerável, Francisco, quis valer-se da influência da sua irmã para chegar a ser bispo; inclusive chegou a ter uma audiência com o rei. Madre Ágreda, que não conseguiu fazê-lo desistir dos seus intentos, de antemão, avisa ao rei da visita, diz-lhe que lhe dê boas palavras de despedida, mas sem levar a sério suas pretensões.
O exame da Inquisição
A Inquisição espanhola abriu processo pela primeira vez no assunto da Venerável em 1635. Porém, então parece ter limitado-se a fazer algumas perguntas a diversas testemunhas e informantes, caindo a causa em suspenso durante muitos anos.

Porém, em 1649 retoma-se o exame. O Padre Antônio Gonzalo Del Moral é mandado a Ágreda como qualificador do Santo Ofício para interrogar a Venerável diante do notário à base de um questionário de oitenta perguntas, a maioria das quais referem-se à suas supostas viagens às Índias. A abadessa de Ágreda, reconhece que naqueles anos das exterioridades, como havia ouvido falar da evangelização dos índios, acreditava às vezes ser levada para lá, onde lhes pregava, porém, sempre abrigou dúvidas sobre a realidade de tais factos. Por outro lado, Benavides e outros Padres respeitáveis deram o facto por incontestável e fizeram-na assinar o famoso Memorial. Amedrontaram-na dizendo “que podia cair na heresia de Pelágio, atribuindo à natureza o que era sobrenatural”. “Me rendi – disse ela – mais à obediência que à razão”. Nas respostas da Venerável vemos o juízo que muitos anos depois tinha ela formado sobre o período das exterioridades.
Pelo que do interrogatório se deduz, todo este facto das viagens às Índias originou-se de uma carta do Padre Francisco Andrés de la Torre, director da Venerável, ao Arcebispo do México, Dom Francisco Mando de Zúñiga, em que lhe dizia que averiguasse se no Novo México sabiam de uma monja que andava fazendo conversações. Mais tarde veio dali Frei Alonso de Benavides dizendo que, efectivamente, havia sido vista, fornecendo detalhes. Este redigiu um Memorando que foi amplamente difundido. Ao perguntar o qualificador à madre Ágreda porque firmara o Memorando de Benavides, esta argumentou que quando o assinou estava turbada, afirmando o que não sabia, e pensava que ela estava errada e eles certos: ao ver-se diante de tantos Padres solenes não supôs fazer outra coisa. Acrescentou que os frades e monjas dispuseram o caderno como quiseram, e de sua informação temerosa fizeram pouco caso. Diziam que tinha temores imprudentes e escrupulosos.
Enfim, acrescentou madre Ágreda, que sobre a questão de ida às Índias mais de uma vez, pensou fazer uma declaração verdadeira por escrito, vendo quão variavelmente falavam, e em algumas coisas exageravam a verdade, porém, crendo que o tempo o esqueceria, tomou o cuidado de queimar os papéis que havia feito.
O qualificador frei António Gonzalo del Moral, da Ordem dos Trinitários, encerra o expediente fazendo uma declaração sobre o alto conceito que se formou da interrogada, desculpando o assunto de ida às Índias pelas circunstâncias em tudo aquilo que se escreveu.
Cabe perguntar o que moveu a Inquisição a prosseguir agora uma causa que, durante muitos anos, havia permanecido praticamente esquecida. Parece que a ocasião foi a seguinte: o duque de Híjar havia sido processado por conjuração contra o rei, e durante o processo apresentou, a modo de desencargo, uma carta da Venerável. Também o Padre Monterón, franciscano, havia sido posto na prisão porque nos seus sermões falava de revelações que anunciavam desgraças ao rei. De fato, no interrogatório, perguntou-se à Venerável sobre suas relações com o duque de Híjar e o Padre Monterón.
Última doença e morte
A Venerável sempre teve saúde delicada e padeceu de diversos achaques e enfermidades. Silvela conta das sangrias que menciona nas suas cartas, e que somam setenta e uma no espaço de catorze anos. Em carta de 19 de Novembro de 1660 fala ao rei que padeceu de grande enfermidade, deitou sangue pela boca, ... Em 16 de Junho de 1661, fala de dores de cabeça de que resultou a perda da vista, provocando fadigas mortais.

A última enfermidade, segundo o biógrafo, foi ocasionada por uma febre e abcesso no peito. Foram onze dias no total, os que teve de permanecer na cama. Em todos eles, serviu de edificação geral às religiosas, às que, por insinuação do confessor, e vendo que choravam amargamente, falou nestes termos no momento de receber a Santa Unção: "Irmãs, não façam isso; olhem que não temos tido outro trabalho e que se devem receber com igualdade de ânimo os que Deus envia; se Sua Majestade quer que nos apartemos, cumpra-se sua santíssima vontade. O que eu os rogo é que sirvam ao Senhor, guardando sua santa lei, que sejam perfeitas na observância de sua regra e fiéis esposas de Sua Majestade, e procedam como filhas da Virgem Santíssima, pois sabem o que devemos à nossa Mãe e Prelada. Tenham paz e concórdia entre si e amem-se umas às outras. Guardem seu segredo, afastando-se de criaturas e retirando-se do mundo: deixem-no antes que ele as deixe. Desenganem-se das coisas desta vida e trabalhem enquanto tem tempo. Cumpram com suas obrigações, que com isso terei eu menos purgatório, de tantos anos de prelada. Se procederem assim receberão do Senhor a bênção, que eu lhes dou". Então, levantando a mão e formando sobre elas o sinal da Cruz, disse: "A virtude, a virtude, a virtude lhes encomendo". Em seguida, foram chegando sucessivamente uma após outra para lhe pedir em particular a sua bênção, e a cada uma deu a amorosa Madre as advertências e conselhos que em particular lhes convinha, cuja eficácia e acerto maravilhoso, no que a si toca, testifica.
Foi assistida nos últimos momentos pelo Provincial Samaniego e pelo próprio Geral da Ordem, P. Salizanes, que indo de caminho a Santo Domingo da Calçada para presidir ao capítulo que tinham de celebrar as províncias de Burgos e Cantábria, dirigiu-se a Ágreda e assim pôde estar presente na morte e exéquias da Venerável. Morreu esta no dia de Pentecostes, 24 de Maio de 1665, à hora Tércia. Às suas exéquias concorreu numerosa multidão, pois era muito estimada. Ao fim de poucos meses, como se a falta da sua fiel e sincera amiga o tivesse abatido, morria também Filipe IV.
A madre Maria de Jesus de Ágreda, como tantos outros casos relevantes da espiritualidade cristã, é a realização mais completa, daquela parábola evangélica segundo a qual da morte brota a vida; da contemplação, à acção, é a prova de que a vida escondida em Cristo é a mola mais poderosa do verdadeiro amor ao próximo.

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