segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Conclusões do Congresso Internacional
da Ordem da Imaculada Conceição

1. Realizou-se, de 14 a 16 de Outubro de 2011 em Fátima, na Casa das Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres, o Congresso Internacional «Ordem da Imaculada Conceição – 500 anos. Santa Beatriz da Silva: Estrela para Novos Rumos». Santa Beatriz da Silva inspirou o andamento dos trabalhos do Congresso, que decorreram em ritmo de conferências, painéis e debates e no qual participaram cerca de 50 conferencistas e 200 congressistas. As actas, cuja publicação ansiamos para breve, constituirão certamente abundante manancial de reflexão e provocação de novas investigações.
2. Na sessão de abertura, em que foi lida uma saudação particular do Presidente da República, o Presidente da Comissão Organizadora do Congresso, D. José Alves, situou-o em contextos eclesial, académico e social, apelando a que os 155 mosteiros e 3000 monjas da OIC espalhadas pelos quatro continentes sejam «cidadelas do Espírito», na bela expressão de Bento XVI. Seguiu-se a saudação da Coordenadora da Confederação de Santa Beatriz da Silva e a apresentação do programa pelo Presidente da Comissão Científica, José Eduardo Franco. O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, encerrou a sessão, desejando que o Congresso contribua para dar resposta aos actuais anseios de profundidade e contemplação e para voltar a dar uma alma à Europa.
3. Na conferência inicial, moderada por D. José Alves, o eminente historiador José Mattoso situou-nos no tempo de Santa Beatriz da Silva, um tempo simultaneamente de esplendor e auge da História pátria e de profunda crise social e económica. No contexto da profunda renovação da vida religiosa, a Obra religiosa de Santa Beatriz da Silva surge como um dos acontecimentos típicos da capacidade da sociedade peninsular para superar a crise da época.
4. O painel intitulado «Ordens, Congregações e Institutos Seculares», moderado por Hermínio Rico, abordou quatro tópicos nesta caminhada pela história. Na caracterização das Ordens Monásticas no século XV, Arnaldo Espírito Santo realçou o fundamento da sua espiritualidade na Regra de São Bento e o esforço de reformação dos mosteiros nas questões do governo e administração dos bens, na observância e instrução das religiosas. António de Sousa Araújo caracterizou as Ordens Mendicantes na vivência da pobreza enquanto comunidade e fraternidade solidária, disso resultando uma subsistência em tensão de instabilidade, fruto do trabalho ou da sua falta (mendicância). David Sampaio Barbosa situou o surgimento das Congregações Religiosas no século XIX, como carismas ao serviço da sociedade em áreas como as instituições sociais, a saúde e o ensino, dando atenção ao pobre, ao doente, à infância abandonada e sem instrução e à missionação. João Miguel Almeida salientou a missão dos Institutos Seculares à luz de uma espiritualidade de compromisso com uma vida no mundo coerente com os valores evangélicos, na qual ganha revelo a dimensão mariana.
5. A abrir o painel «Expressões de Contemplação», moderado por António Rego, Maria Filomena Andrade propôs caminhos de uma espiritualidade feminina sempre renovada e alicerçada nas respostas aos desafios da sociedade e da Igreja de então, à semelhança de Santa Beatriz da Silva. Maria Cristina Osswald referiu a expansão da iconografia da Imaculada Conceição na Pintura e na Escultura, a partir do Concílio de Trento e sua inspiração mais recente nos protótipos iconográficos de Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora de Lourdes. Inês Maria da Santíssima Trindade e Maria Inês da Cruz caracterizaram a contemplação da concepcionista centrada em Cristo e inspirada nos passos de Maria, a sua vocação universal, a vivência do amor de Deus e o saber saboreado. Nuno Saldanha apontou novas formas de expressão da religiosidade e devoção na pintura do século XIX, mais na linha do novo gosto, aspirações, formas de piedade e devoção populares, do que nos temas clássicos da santidade.
6. No painel «Imaculada Conceição, Mulheres e Ordens Religiosas», sob a moderação de Cristiana Isabel Lucas Silva, Francisco José Senra Coelho situou a OIC no contexto de outras ordens femininas em Portugal, realçando as Bulas papais da Reforma da Observância Pré-tridentina, no seguimento do impulso dado, pelo Concílio de Constança em 1417, aos movimentos reformadores da vida religiosa. Aires Gameiro falou das mulheres nas cartas e biografia do alentejano São João de Deus, nascido aquando da morte de Santa Beatriz da Silva. Inspirado pela Mulher Maria Imaculada, São João de Deus procurou reabilitar as mulheres de modo integral e com dignidade. Carlos Alberto de Seixas Maduro relacionou a Imaculada Conceição, o Rosário e a viabilidade de Portugal na óptica do Padre António Vieira. No tempo da Restauração, coube um papel muito particular à Virgem do Rosário e à Imaculada Conceição na viabilidade de um país que voltava a nascer e a que Vieira juntava a esperança messiânica de que fosse a cabeça do mundo. A finalizar o painel, Susana Mourato Alves-Jesus abordou de modo interligado a Ordem do Carmo, as Mulheres e os Direitos Humanos. No quadro do contributo que as Ordens Religiosas sempre tiveram no longo processo de afirmação dos Direitos Humanos, a Ordem da Imaculada Conceição teve especial participação, nomeadamente quanto ao papel da mulher na sociedade e à salvaguarda dos seus respectivos direitos.
7. O segundo dia do Congresso iniciou-se com uma conferência de José Félix Duque, sob a moderação de David Sampaio Barbosa, em que o autor abordou a «Vida e Obra de Santa Beatriz da Silva», que nasceu por volta de 1437 em Campo Maior e faleceu em 1492 em Toledo. A sua vida dedicada à oração, à penitência e à caridade, marcada por uma grande devoção à Imaculada Conceição, inspirou a Obra que nos legou, iniciada na fundação do Mosteiro da Conceição em Toledo. A sua canonização em 1976, pelo Papa Paulo VI, significa o reconhecimento da santidade desta Mulher Forte, fundadora da OIC, uma das mais ricas e interessantes do monaquismo peninsular, fonte de espiritualidade e de cultura. Aqui se exprime igualmente a pertinência em considerar as mulheres como agentes activos das culturas e das sociedades, capazes de grandes realizações.
8. O sugestivo subtítulo «enlaces e desenlaces» do painel sobre a «OIC e as outras Ordens», moderado pela Susana Mourato Alves-Jesus, contou com o contributo de quatro especialistas. Ao questionamento da existência de uma regra primitiva concepcionista, José Garcia Santos analisou minuciosamente os meandros da sua evolução e conexão com outras regras inspiradoras e concluiu que a Regra OIC resultou de uma caminhada muito longa e com muitas dificuldades do carisma que Deus concedeu a Santa Beatriz da Silva, até ao reconhecimento, pelo Papa Júlio II em 1511, da «Regra das Irmãs da Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria». Jacinto Guerreiro abordou a presença e memória das Ordens e Congregações Religiosas no Alentejo. Nos últimos cinco séculos, mesmo com o parêntesis secular da expulsão das Ordens do país, a mentalidade religiosa alentejana foi marcada pela presença de uma rede de instituições e famílias espirituais, em particular as Ordens Mendicantes, que tiveram enorme influência, quer nas manifestações e festas populares, quer no património cultural, pastoral e espiritual. Maria de Lúcia Brito Moura analisou o acolhimento e recepção das Ordens e Congregações Religiosas em Portugal, no período de 1834 a 1910 da Monarquia Constitucional. A Carta Constitucional, ao mesmo tempo que reconhece a religião católica como religião do Estado, põe fim às Ordens e Congregações Religiosas. Porém, neste ambiente de interdição, animosidade e discordância, algumas Ordens mantêm-se em situação de semi-clandestinidade até à expulsão definitiva em 1910. Zorán Petrovici apontou o caso da Madre Mercedes de Jesus, que a partir de 1966 liderou um movimento de regresso às fontes, conseguindo da Santa Sé algumas emendas que devolveram à OIC a espiritualidade concepcionista original, em substituição das referências ao espírito franciscano.
9. O painel «Carisma e Espiritualidade», moderado por Vítor Melícias, contou com duas participações. Manuel Curado ensaiou possíveis aproximações filosóficas à questão sobre quem auxiliou Santa Beatriz da Silva, a partir da lenda do baú que encerrou Santa Beatriz da Silva e de cuja caixa escura saiu com vida, através da ajuda da Senhora Branca. O mistério da lenda pode levar a relacionar a Senhora Branca com a Virgem Maria. José Eduardo Franco referiu as devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, com apogeu no século XIX, como «espiritualidades quentes». Apresentou as raízes, a afirmação e a projecção dessas espiritualidades como propostas de vivência cristã, que revelam um Deus próximo, misericordioso, sensível e preocupado pelos homens, e que transportam consigo uma utopia de transformação do homem e da sociedade, comprometida com os homens e as mulheres de cada tempo.
10. Moderada pela Annabela Rita, a conferência de Joaquim Chorão Lavajo sobre «a Imaculada Conceição na Vida e Obra de Santa Beatriz da Silva» situou na história da Igreja a devoção do povo cristão à Imaculada Conceição, que teve o seu ponto culminante na definição dogmática de 1854. Santa Beatriz da Silva exerceu um papel relevante nesse percurso doutrinal e vivencial, ao consagrar toda a sua vida e obra à Imaculada Conceição, na vivência integral dos valores espirituais humanos que esta incarna e inspira como modelo humano e feminino sempre actual e imitável.
11. No painel moderado por Maria de Fátima Eusébio sobre a «recepção da Imaculada Conceição na arte e na cultura ibéricas», começou Sílvia Ferreira por apresentar, de modo visual, representações escultóricas de Nossa Senhora da Conceição no Barroco português, em particular no período pós-tridentino. De modo específico, ensaiou a interacção entre imaginária e obra de talha retabular, cujas expressões majestosas proporcionam o cenário espacial e estético para a sua condigna adoração. Annabela Rita destacou a importância da Imaculada Conceição no processo de legitimação da identidade nacional; esta tendeu a legitimar-se num plano espiritual, em que a Imaculada Conceição reconfigura a aliança entre o divino e o humano em que a colectividade se reconhece. Maria Isabel Morán Cabanas falou da presença de Santa Beatriz da Silva no teatro espanhol do século XVII como paradigmas de diálogos ibéricos. Salientou, em particular, a lusofilia do dramaturgo Tirso de Molina focalizada em D. Beatriz da Silva. É na boca do rei D. João II de Castela que o dramaturgo põe a célebre frase: «Beatriz, mulher tão bela, só a merece Deus».
12. O painel «Posteridade espiritual de Santa Beatriz da Silva», moderado por Manuel Joaquim Gomes Barbosa, contou com variadas presenças. Maria Núria Campos Vilaplana apresentou o carisma de Santa Beatriz da Silva vivido por Ángeles Sorazu (1873-1921). Esta mística concepcionista dos inícios do século XX viveu unida com Cristo, seu Esposo, pelo amor, meta de toda a concepcionista, e acentuou na sua vivência a devoção a Maria em quatro aspectos intimamente relacionados: Maria é Imaculada, é o Tempo de Cristo, é Esposa, é pobre de Javé. José Luís França Dória e João Luís Cabral Picão Caldeira, familiares da Madre Maria Isabel da Santíssima Trindade (1889-1962), apresentaram dois testemunhos sobre a fundadora das Irmãs Concepcionistas ao Serviço dos Pobres. Foram memórias vivas, vivências, registos e testemunhos familiares de quem conviveu de perto com a Madre Maria Isabel. Maria Ferraz Barbosa Santos referiu-se ao estabelecimento da OIC na América portuguesa, através da primeira presença, no século XVIII, do Convento da Lapa no Brasil. Joaquín Dominguez Serna falou de Santa Beatriz da Silva e a OIC, salientando o seu carisma monástico e contemplativo, centrado na Imaculada Conceição, e a íntima ligação com a Ordem Franciscana.
13. O terceiro e último dia do Congresso começou com a conferência de João Francisco Marques sobre «a OIC e as Ordens Religiosas femininas na Modernidade», sob a moderação de Francisco José Senra Coelho. O eminente historiador salientou, por um lado, o precioso contributo da OIC na maré de reformismo das congregações monásticas, introduzindo uma espiritualidade mariana inovadora, e a sua evolução nos séculos imediatos; por outro, referiu as estratégias da política régia, da nobreza e do poder local que, nos séculos XVI a XVIII, interferem na fundação de mosteiros femininos e sua sustentação no recrutamento de vocações e na execução dos fins espirituais e intuitos assistenciais dos beneméritos.
14. Depois de uma intervenção de Geraldo Coelho Dias, apontando o contributo singular de Cister para a Ordem Beneditina, teve início o painel «Ordens Religiosas e Pastoral», moderado por Joaquim Chorão Lavajo. Isidro Pereira Lamelas apontou o caso dos Mendicantes numa pastoral de cidade, com relevância histórica e actual da viragem pastoral específica da «fuga mundi» ao «ire per mundum» pregando o Evangelho da Paz, novidade trazida por S. Francisco de Assis e pela Regra Franciscana. José Antunes da Silva apresentou uma pastoral de missão de fronteira. As Ordens Religiosas são desafiadas a viver nas fronteiras da crença/descrença, dos pobres, das culturas e das religiões. Aqui, a missão requer um novo estilo de presença, que valorize a contemplação frente ao activismo, a colaboração face ao individualismo e o diálogo em oposição à conquista. Luís Machado Abreu situou as Ordens e Congregações no Portugal contemporâneo. Realçou as profundas e bruscas mudanças políticas no século XIX e XX, que tiveram forte repercussão nas Ordens e Congregações, em particular as deliberações de 1834 e 1910 de as eliminar do nosso pais. Salientou ainda a coragem e a criatividade que tiveram nas respostas aos desafios dos tempos adversos e das situações favoráveis.
15. «Actualidade da vida monástica» foi o tema da conferência de Mariano José Sedano Sierra, historiador vindo da Rússia, sendo moderador Augusto Moutinho Borges. Nos factores do mundo presente que interpelam a vida monástica, a crise de Deus constitui um desafio à paixão por Deus. Os monges, que têm como único fim a busca de Deus, são chamados de modo particular a contribuir para o regresso, de modo novo, à experiência do Deus vivo. Ícones vivos da invisível luz do Tabor, são chamados á oração transformadora em comunhão com todos os homens, à integração na vida comunitária e na Igreja, à grande solidariedade com os homens, à ecologia monástica e ao testemunho de ecumenismo radical na Igreja indivisa.
16. A sessão de encerramento, presidida por D. Ilídio Leandro, Bispo de Viseu, teve início com palavras agradecidas da Abadessa do Mosteiro de Campo Maior, a que se seguiu a leitura das conclusões por Manuel Joaquim Gomes Barbosa. José Eduardo Franco reiterou agradecimentos e objectivos do Congresso, entre eles a pretensão de dar cidadania académica a esta celebração jubilar. O Ministro Geral da Ordem Franciscana convidou os participantes a viver o presente com paixão, como Santa Beatriz da Silva, para olhar o futuro com renovada esperança. O Bispo de Viseu convidou igualmente os presentes a levarem na alma a contemplação de Deus e a integração de tudo no seu lugar, ao jeito das Irmãs Concepcionistas. A finalizar, D. José Alves prestou homenagem à equipa do CLEPUL pela fé, competência e coragem que colocou neste projecto e noutros de arrojo semelhante. O Congresso encerrou-se com a entoação de louvor «Salve Regina» por todos os congressistas.
17. As vertentes cultural e artística estiveram igualmente presentes durante o Congresso, através dos Coros Mozart de Viseu e Fórum Música de Lisboa, e da Banda de Investigação CLEPUL «Ai Deus e u é». De destacar ainda a apresentação de um documentário audiovisual sobre a OIC e o lançamento da obra monumental «Mosteiros e Conventos, Ordens e Congregações: 1000 anos de empreendedorismo cultural, religioso e artístico em Portugal», fruto da vontade extraordinária de um leque de jovens e competentes investigadores, liderados por José Eduardo Franco. A homenagem a João Francisco Marques, um dos maiores vultos na Historiografia Religiosa em Portugal, constituiu ainda momento de relevo cultural.
18. O Congresso encerra hoje, mas os dinamismos criativos aqui apresentados devem ser incentivados: olhar o passado, com rigor científico e histórico, no regresso às raízes e às fontes de sentido perene; olhar o presente, na vivência dos carismas ao serviço da comunhão e na procura da qualidade de vida contemplativa e da presença significativa no mundo; olhar o futuro, com renovada esperança, com paixão e entusiasmo, que só pode ser em Deus por intercessão da Imaculada Conceição. Só assim Santa Beatriz da Silva poderá ser verdadeiramente Estrela para Novos Rumos nas nossas vidas e instituições, na Igreja e na sociedade.
Fátima, 16 de Outubro de 2011

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